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Dossiê José Mojica Marins

Perversão (Estupro!)
Direção: José Mojica Marins
Brasil, 1978.

Por Gabriel Carneiro

Antes de Encarnação do Demônio, Perversão era tido como o último projeto realmente autoral e pessoal de José Mojica Marins. Depois disso, só dirigiria filmes pornográficos, ou atuaria. Porém a criatividade já estava estafada pelos percalços da vida. Por mais que tenha sacadas dignas de um gênio, ele se alonga por demasiado no desnecessário e no incoerente. Dentro da lógica do macabro, o filme é um estudo das concepções mais pervertidas do ser humano – a concepção do autor do filme em relação ao tema, e a concepção de vida da personagem.

Originalmente batizado como Estupro! e vetado pela censura, o nome Perversão veio dar cabo daquilo que o filme discute: as excentricidades sexuais de um milionário. Para Mojica, ricos são excêntricos e só querem conquistar moças mais novas. Há alguns equívocos na caracterização dos milionários, como o uso de copo de requeijão para servir whisky, ou o apartamento minúsculo que recebe muitas pessoas, e supostamente é de um ricaço. Coisa que não chegam a comprometer o longa. Talvez a pior característica seja a maneira como ele vê os ricos, sem relativismos. Todos são tarados sexuais e sádicos. Há um fator de sátira nisso, que, infelizmente, leva-se a sério demais. Mostrado como um caso a parte, e sem tanto escracho, poderia ter resultado em um de seus melhores filmes.

A idéia inicial veio de um caso dos tablóides, das suspeitas sobre a ‘milionária assassina’, Elza Leonetti (ela faz uma ponta como advogada de acusação), que teria matado seus dois maridos em troca da fortuna. Disso, deriva a dupla argumentação do filme: Comendador Vitório Palestrina é um pervertido, insensível, que faz de tudo para conseguir realizar suas desumanidades, e ainda assim sai ileso pelo dinheiro (ou seja, o dinheiro compra tudo), e todas as garotas que passam pelas mãos do homem só se interessam pelo seu valor financeiro. Enquanto vemos um homem cruel, insensível e aproveitador, que usa seu poder e dinheiro para manter-se à solta – seria isso uma crítica à corrupção? Certamente o que de mais político Mojica fez -, vemos um bando de garotas – “pobretonas”, como afirmam – buscando o consolo em um homem feio e pançudo, justamente pelo dinheiro que tem. A crítica seria aos dois? De qualquer forma, Mojica não busca analisar ninguém, nem desvendar os mistérios que os levam a isso. É uma premissa, para evoluir na questão do terror humano e psicológico.

O diretor olha o personagem como um sádico indefectível, que merece aprender uma lição. O comendador é um homem que se aproveita dos oportunistas para cometer atrocidades – uma espécie de vingança anterior, ou seria uma compra de mercadoria? -, e depois se vangloriar. Exemplo disso é a cena inicial, em que ele estupra uma jovem virgem, e lhe arranca um mamilo – que vira troféu e é exibido a todos os amigos. No seguimento do processo que se dá pelo ato, a garota é perseguida na rua por diversas pessoas que cantam “A Silvia não é mais aquela, arrancaram a tela dela”. Cena estapafúrdia, incoerente e absurda (engraçada também), que só demonstram a falta de jeito em abordar o tema – quase surreal e exemplo do escracho. Outras mulheres passam por sua vida, e todas são relegadas - ele ri e debocha. Depois de levar à cama, zomba delas. Até que entra uma universitária que o deixa obcecado – logicamente, porque ela resiste a ele -, e ela transforma a visão de Vitório.

O final é fenomenal. Sem aprofundar-se no conteúdo, que seria tirar metade da graça, é incrível ver a força imagética e plástica da cena. Os olhos vidrados da linda universitária observam a um diferente comendador, e notabilizam a discussão sobre perversões. Os flashbacks recorrentes nos explicam o que acontece, e closes durante o ato sexual nas bocas, olhos e orelhas contém um erotismo enrustido. A conclusão justifica o filme, dentro de suas absurdas seqüências, e cria um paroxismo qualitativo. Será que um final tão bom como esse aniquila os principais pontos fracos? Certamente não, mas garante que o filme seja concebido por outros olhos, assim como os olhos de Vitório olham a universitária, e o dinheiro compra as amizades.



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