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Dossiê José Mojica Marins

Contos de terror e talk-show: abalando os televisores

Por Gabriel Carneiro


O Estranho Mundo de Zé do Caixão (2008)

Histórico

José Mojica Marins ficou famoso na televisão, e foi nela que criou a auto-paródia do Zé do Caixão. Isso começou já na primeira aparição. Em 1963, Zé do Caixão estrearia na mídia pelo programa de Walter Forster, Clube do Lar, na TV, rogando praga. Depois viria À Meia-Noite Levarei sua Alma, que estreou em 1964.

Zé do Caixão é um personagem muito forte, que chama muita atenção dentro de programas televisivos. Ele tinha um prestígio muito grande para audiência da época. Prova disso eram os programas que estrelou no final dos anos 60. À época do filme O Estranho Mundo de Zé do Caixão, de 1968, Mojica aproveitou a alta do personagem, e com o roteirista Rubens Francisco Lucchetti, invadiu a televisão. Primeiramente, em 1967, na TV Bandeirantes, com Além, muito além do além.


Além, muito além do além

O programa ia ao ar toda sexta-feira às 23h. Foram 34 programas entre 15 de setembro de 1967 e 26 de julho de 1968. Mojica apenas apresentava o programa. Os roteiros escritos por Lucchetti eram encenados pelos atores da escola de Mojica, e teoricamente teriam sido feitos segundo relatos do público. Claro que tudo isso era apenas publicidade, e os episódios já haviam sido bolados muito tempo antes. Dentre as histórias, de uma hora, muitas se transformaram episódios de filmes ou histórias em quadrinho. Trilogia do Terror e quase todas as histórias (ou todas?) em quadrinhos de O Estranho Mundo de Zé do Caixão são os exemplos. O programa alavancou a audiência da TV Bandeirantes para a liderança no horário.

Em meados de 1968, a TV Tupi ofereceu a Mojica mais dinheiro para aplicar o mesmo formato de programa no canal. Ganancioso, nem titubeou e aceitou. Não comunicou ninguém antes de assinar o contrato. Antes mesmo de acabarem os programas na Bandeirantes, a Tupi estreava, no dia 13 de julho, um sábado, às 23h, o programa O Estranho Mundo de Zé do Caixão. O público elitizado da emissora não aprovou o programa de terror de Mojica, que acabou, após 13 episódios, no dia 16 de novembro.

Já na decadência de seu cinema, no começo dos anos 80, foi lhe dada mais uma oportunidade. No dia 1 de agosto de 1981, estreava na TV Record Um Show do Outro Mundo. Dessa vez com roteiros de Norbert F. Novotny, e argumentos enviados por telespectadores e adaptados pela equipe. Durou 12 episódios. Cada um tinha três segmentos de meia hora. Acabou em 25 de outubro e não obteve o sucesso esperado. Foi a última vez que apresentou contos de terror na TV.


Um Show do Outro Mundo

Infelizmente, as fitas originais foram reaproveitadas e nada sobrou de arquivo desses programas.

Teve outras participações na televisão, como o telefilme A Mão Parda (1987, TV Cultura) e a novela Olho por Olho (1988, TV Manchete). Além de aparições em programas de variedades. Talvez sua mais célebre aparição seja no programa Viva a Noite, apresentado por Gugu Liberato, em 1982. No programa, por recomendações médicas, Mojica corta suas famosas unhas ao vivo. Uma delas vai para Zé Ramalho - aliás, um momento comovente, em que ele chora após o feito e pode ser visto no Youtube (e está entre os links recomendados em Mojica na internet). Ou teria sido no programa Quem tem medo da verdade? (1969, TV Record), em que um grupo de jurados, capitaneados por Carlos Manga, insultavam deliberadamente seus convidados? Trecho do programa está no filme Ritual dos Sádicos.

Para a nova geração, porém, o que o marcou negativamente e deu-lhe a alcunha de trash, é, muito provavelmente, o vínculo entre Zé do Caixão e Cine Trash. Exibido na TV Bandeirantes, em 1996 (a estréia ocorreu no dia 5 de fevereiro), de segunda a sexta, às 15h15. Zé do Caixão e suas Pombas-Giras apresentavam um filme de terror estrangeiro, ele então fazia a Recomendação da Hora – uma lição de moral aos adolescentes -, e rogava a praga do dia, caso alguém ousasse mudar de canal.

O Estranho Mundo de Zé do Caixão


Zé do Caixão entrevista Paulo César Peréio

Anunciado para dia 4 de abril, estreou apenas no dia 25 do mesmo mês, no Canal Brasil (TV a cabo), o novo programa com José Mojica Marins, O Estranho Mundo de Zé do Caixão. O projeto é idealizado e dirigido por André Barcisnki, um dos autores de Maldito, a biografia de Mojica. Exibido todas as sextas-feiras (ou seria sábado), à 0h, com duração de meia hora, o programa é divido em quatro seções, às vezes cinco.

Na primeira, há o Caixão repórter, em que Zé faz uma reportagem, geralmente bem besta, como ir a Galeria do Rock, ou procurar comida por R$1,00 no centro da cidade. Em seguida, varia. Às vezes, é exibido Do Fundo do Caixão, em que alguma filmagem de Mojica é resgatada, como trechos de Sentença de Deus, seu longa inacabado, da cirurgia nos olhos ou durante a o Festival de Sundance. Caso contrário, o quadro InferNet é passado logo de cara. Nessa parte, Zé lê algum e-mail sobre um acontecimento bizarro, em que o leitor pede uma solução. Sabiamente, Zé responde.

O principal bloco do programa é composto por uma entrevista com alguma celebridade ou personalidade. Termina então com a Praga da Semana, em que roga, muito espirituosamente, uma praga temática, às vezes contra motoboys indisciplinados, às vezes contra adoradores de Axé.

O talk-show de Zé do Caixão é um deleite. Mojica está travestido de Zé, mas é só a roupagem. O criador se confunde sim com a criatura, mas é a sensibilidade Mojica que conduz as entrevistas. Sabendo usar o humor a seu favor, o apresentador consegue efeitos surpreendentes. Um dos pontos altos do programa, Mojica Marins destila sua ironia sobre o lunático(?) Inri Cristo. Enquanto o Cristo renascido diz toda aquela sua baboseira religiosa, usa-se o recurso do fast-foward. “O Inri Cristo tem muita coisa a falar, vamos deixar ele falando, e enquanto isso vamos ver onde ele trafega.”

O cenário é simples. São duas poltronas, com uma mesa no centro e um caixão no fundo. O convidado geralmente fala de coisas estranhas que aconteceram na sua vida, de possíveis ligações com o sobrenatural, com bizarrices. Há entrevistados que dão belos programas sem deles nada esperar, caso de Ronaldo Esper, o louco que rouba de cemitérios.

Há também as escolhas de produtores, por nomes em voga no mundo jovem, para assim alcançar maior público, e que acabam rendendo programas mais fracos. NX Zero, por exemplo, é uma banda horrível. Obviamente, nada de interessante sairia deles. Mojica ao menos consegue causar um efeito ao perguntar se eles são emos. Eles dão uma resposta politicamente correta. Ou Bruna Surfistinha, que parece ter treinado muito antes de sair de casa. Cada letra é pronunciada, e ela pensa muito antes de falar qualquer coisa. Poderia virar Miss, depois da jornada como prostituta.

É interessante ver também a boa participação de roqueiros decadentes, geralmente desbocados, e que dão entrevistas interessantes. Claro, muito mais para rirmos deles. Caso de Lobão, de Marcelo Nova, de Nasi, de Supla e de Paulo Ricardo (esse é bom moço).

Por mais que alguns entrevistados fiquem apagados no conjunto – nem tão bons, nem tão ruins -, valem a menção: Rappin-Hood, Jerry Adriani, Sepultura, Paulo César Peréio – que decepção, aliás -, Odair José...

Os destaques ficam mesmo para os personagens bizarros: Mãe Dinah é talvez o melhor episódio exibido até o momento, em que a vidente fala de como começou no mundo oculto, faz previsões e ainda deixa margem à Zé extravasar seus suas fantasias. Inri Cristo vale pela comicidade (ao final do programa, Mojica corinthiano fanático que é, pede ao homem que abençoe o timão e que o faça subir à primeira divisão).

Dentre as entrevistas de cunho mais sério, vale destacar os nomes de Alexandre Herchcovich, João Gordo, Angeli, Silvio Luis e Carlos Reichenbach. Todos especialistas em sua área, dão verdadeiras aulas.

Herchcovich conta como começou na moda – “minhas primeiras modelos foram prostitutas, e minha passarela a rua” -, e discute-a sem preconceito algum. Há também referências ao filme Encarnação do Demônio, cujas peças do figurino foram reaproveitadas de coleções antigas, além de remodelar o traje de Zé do Caixão. João Gordo fala, desbocadamente, sobre tudo e nada, sobre seus vícios – e os de Mojica, que continua fumando -, de música, da televisão. Angeli fala maravilhosamente de seus cartuns e quadrinhos, inserindo-os num panorama histórico bem interessante. Vale até para quem não é fã dos traços de seus desenhos.

Silvio Luis comenta o programa Quem tem medo da Verdade?, (1968, TV Record), em que era jurado, e sobre o futebol atual – “o futebol de hoje é uma merda”. Carlos Reichenbach fala do cinema brasileiro atual, e comenta seus estudos sobre o preconceito do público brasileiro com o cinema nacional, que retrocede à década de 20.

O Estranho Mundo de Zé do Caixão tem material suficiente para exibição até abril de 2009. Além da irreverência e da qualidade, é uma forma de ressuscitar alguns nomes da cultura popular brasileira que valem ser lembrados. Mojica é, talvez, o nome mais apropriado.

Lista de entrevistados até a publicação da edição (06/10/08):


Lobão
Ronaldo Esper
Supla
Paulo César Peréio
Bruna Surfistinha
Mãe Dinah
Inri Cristo
Jerry Adriani
Nasi
NX Zero
Alexandre Herchcovich
Marcelo Nova
Paulo Ricardo
Rita Cadilac
João Gordo
Rappin-Hood
Odair José
Angeli
Sepultura
Silvio Luis
Carlos Reichenbach
Luciana Vendramini
Marcelo Rubens Paiva
Xico Sá
Guilherme Arantes



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