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Lançamentos
Por Vlademir Lazo Correa

A Hora do Lobo
Direção: Ingmar Bergman
Vargtimmen, Suécia, 1968.

Ingmar Bergman geralmente é um dos primeiros cineastas que cinéfilos costumam venerar e correr atrás de sua obra logo que começam a se interessar mais a fundo por cinema, para só depois descobrirem outros diretores também essenciais, e não tão conhecidos. Por mais que o diretor sueco represente nesse sentido uma janela para inesgotáveis descobertas, muitos se queixam que sua filmografia seja complacente em demasia para o próprio gênio, autocentrado por demais nas suas obsessões e temáticas recorrentes, o que faz com que por vezes canse o espectador em determinadas etapas da vida, em favor de outros autores que dialoguem com outras temáticas e ampliem o leque de obsessões. Basta retornar a algum de seus melhores trabalhos, no entanto, para que reacenda o fascínio, e se renove o prazer e a experiência de se estar diante de um filme de Bergman, que por mais que esteja fechado em seu mundo, jamais negará o encontro e o diálogo com o mundo de todos nós.

Quanto à idéia de repetição em sua obra, essa impressão advém da grande quantidade de filmes na maioria das vezes feitos um atrás do outro ao longo de tantas décadas, entretanto, não foram poucas as ocasiões em que o cineasta transcendeu o próprio estilo, logo ao se falar de sua obra como um todo sempre haverá filmes extraordinários como Noites de Circo, Persona, Gritos e Sussurros e Fanny Alexander que pairarão acima de qualquer possibilidade de esgotamento de interesse em Ingmar Bergman. E também A Hora do Lobo, que se impõe em grande medida como o filme de terror do cineasta sueco (ainda que a definição esteja longe de resumir a imensidão labiríntica em torno da qual se embrenham o cineasta e seu protagonista) . A condição de filme de horror parece tão improvável em se tratando de Bergman que muitos espectadores desavisados sofrem em compreender ou apreciar A Hora do Lobo pelo que o filme é, o que não o torna apto a satisfazer a todos numa primeira visão. Ao mesmo tempo, se inscreve na linha típica do diretor cujas obras quase sempre se passam entre quatro paredes ou em ilhas desertas (no sentido alegórico ou não), dissecando almas fadadas à solidão irremediável a qual muitos de nós estamos condenados, e não raro à loucura que para alguns pode se tornar inescapável. O começo de A Hora do Lobo ensaia um aspecto documental com aparência de cinema-verdade, com uma nota sobre o desaparecimento de um pintor na ilha abandonada em que vivia, e um breve depoimento de sua esposa, além de barulhos e vozes ligadas à equipe técnica de filmagem, porém esses lances metalingüísticos se esgarçam em poucos minutos quando adentramos na atmosfera lúgubre da Ilha de Baltrum que vai aos poucos se convertendo em um clima de pesadelo e de sombras, à exemplo dos mestres do terror (não fosse o próprio Bergman um dos mestres do cinema) especializados em levar ao limite as fronteiras entre a realidade e a imaginação.

Em outras ocasiões o diretor já trabalhara com elementos de horror em seus filmes, mas aqui eles se tornam explícitos ao mesmo tempo em que elusivos e soturnos, em torno dos conflitos internos do pintor John Borg (Max von Sydow) que se refugia com sua esposa grávida, Alma (Liv Ullmann), numa ilha açoitada pelos ventos. O artista busca um isolamento que bem pode ser uma fuga de seus fantasmas e medos. Esses pavores existenciais de Johan, os demônios que eles representam, são materializados de diversas maneiras como fantasmas psíquicos (e canibais), um grupo de pessoas muito estranhas que o perseguem e tentam atraí-lo para que se junte a eles no outro lado, convidando-o para visitar e jantar no castelo em que habitam. Os fantasmas esboçados pelo diretor sueco refletem tanto delírios íntimos quanto representações coletivas, pois com o passar do tempo Alma também se torna testemunha de suas alucinações, sem poder fazer nada, visualizando os tormentos do marido que tomam forma diante do casal, porque pessoas velhas que moram juntas há muito tempo começam a pensar do mesmo modo e a se parecer uma com a outra.

Os fantasmas assumem contornos distintos no percurso doentio de Johan através do castelo e da ilha¸ como o Barão Von Merken (Erland Josephson), que sobe pelas paredes e caminha de cabeça para baixo pelo teto, e o filme não é mais do que a encenação dos textos do diário do pintor, com a materialização dos seus demônios interiores que o estraçalham espiritualmente refletindo a autocrítica do artista consigo mesmo em seu colapso mental. Mas a cena mais cruel e perturbadora é a da criança demoníaca nos rochedos que Johan mata a pedradas e que afunda e emerge num rio, acontecimento que o pintor jamais poderá discernir se aniquilou um menino de verdade ou se tudo não era mais uma projeção das forças destrutivas de sua psique, permanecendo sempre sem distinguir a verdade da alucinação, da mesma forma que é impossível dissociar o filme de terror do drama humano e conjugal em torno dos protagonistas, evidente mais do que nunca quando a esposa revela que quase pode contar os beijos do casal, pois eles raramente se tocam e se beijam.

A hora do lobo seria o momento que antedece o amanhecer e quando os pesadelos invadem os nossos sonhos. A hora misteriosa em que morrem a maioria dos adultos condenados; mas também, o instante em que nascem muitos dos bebês inocentes. Em A Hora do Lobo, o filme, tentar desvendar muitos dos seus mistérios é quase como trair a sua essência. Consequentemente, paramos por aqui: melhor deixá-lo assim do modo que ele é, fascinante e indescritível ao seu modo.




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