Musas Eternas...
PORQUE O QUE É BOM, É ETERNO...
Winona Ryder
Acredito que não sejam todos os leitores (provavelmente nem perto da maioria) que compartilham da mesma admiração que tenho por Winona Laura Horowitz (seu nome verdadeiro), mas cabe aqui uma explicação dessa estima tão pessoal: Winona foi musa de uma geração de cinéfilos que cresceu assistindo seus filmes e se esbaldando com sua presença em cena há não tanto tempo assim (uma década?), geração essa da qual um grande número certamente acompanha a revista ou até escreve por aqui. Para esses, não restam dúvidas de que Winona é eterna, por mais efêmero que tenha sido o seu brilho.
Por outro lado, a atriz nunca foi (ainda bem!) um estereótipo de gostosura ou possuidora de corpo e rosto de modelo (fugindo do critério de beleza que rege ditadorialmente a escalada de sucesso de atrizes modernas em plena era do photoshop, que se impõem em sua maioria mais pelos atributos físicos do que em virtude do talento), pois uma verdadeira musa não tem que necessariamente ser vista como objeto sexual por seus fãs; no caso de Winona, em muitos dos seus filmes, a imagem que ela formou é de aquela garota bacana que todo garoto já sonhou em conhecer na escola, faculdade, trabalho ou no bairro em que mora, que desejou se tornar amigo, conversar e depois namorar e conviver. Não uma deusa inatingível, que só se entrega por troca de algo (?) que não podemos oferecer, mas uma musa com a qual é possível sonhar.
Ainda assim, Winona Ryder em seu auge criou uma galeria de personagens bem mais bidimensional do que sua imagem supõe, e muitos dos seus filmes são mais interessantes do que se julga à primeira vista. Para começar, não é por acaso que ela tornou-se conhecida pelas mãos de Tim Burton, pois o seu papel em Os Fantasmas se Divertem (1988) é uma daquelas figuras maravilhosas que só poderia ter surgido do universo de Burton: a jovem Lydia, com sua aparência dark a esconder uma personalidade solitária e carente, desajustada no meio em que vive, porém a única capaz de enxergar o bom coração dos mortos que só querem descanso nessa comédia de humor negro destinada a um dia virar clássica. Com apenas dezessete anos de idade, Winona num papel de coadjuvante rouba o filme para si junto com a estranha e divertida criação de Michael Keaton como “Beetlejuice”. Era o terceiro filme da atriz, que um ano antes fizera o papel principal numa produção do experiente diretor Daniel Petrie, Ciranda de Pedra, que na época passou em brancas nuvens, mas que alguns críticos vêem com bons olhos. No final da década, ela co-estrelaria A Fera do Rock, a alucinada cinebiografia de Jerry Lee Lewis no papel da prima de treze anos com quem o roqueiro se casou, e a inteligente comédia adolescente Atração Mortal, uma imprevisível sátira de humor negro, macabra e perversa dos costumes estudantis e futilidade do adolescente médio, em torno do romance entre a heroína ingênua interpretada por Winona e um outsider rebelde (o sumido Christian Slater), numa história com direito a assassinatos, suicídios e referências a Mark Twain. Mas o grande filme de Winona no período é sem dúvida outro trabalho de Tim Burton, Edward Mãos-de-Tesoura, um pungente libelo sobre a solidão e a intolerância e um dos grandes filmes americanos da época, com direito a cenas inesquecíveis como Winona dançando sob os flocos de neves que caiam das esculturas de gelo que Edward modelava. O filme marcou o relacionamento da atriz com o astro Johnny Depp, que jurou amor eterno tatuando o nome de Winona em seu braço esquerdo, mas cujo rompimento do noivado fez com que ela fosse internada numa instituição psiquiátrica por causa de depressão. Mais tarde, ela namoraria também Daniel Day-Lewis, David Pirner (do grupo de rock Soul Asylum), David Duchovny e Matt Damon, além de possivelmente com Gary Oldman (mas do qual ela nega os boatos).
A década de noventa começou com Winona despertando a atenção e o interesse de alguns dos maiores diretores do mundo, quando foi escalada por Francis Ford Coppola para o papel de Mary Corleone em O Poderoso Chefão 3, tendo que desistir do papel por na época estar fazendo dois filmes ao mesmo tempo: o simpático Welcome Home, Roxy Carmichael (1990) e o belíssimo Minha Mãe É Uma Sereia (1990), que no Brasil ficariam conhecidos em exaustivas exibições na Sessão da Tarde. Para compensar, foi a atriz quem passou para as mãos de Coppola o roteiro de Drácula de Bram Stoker, quando este era apenas um projeto para a TV americana, despertando o interesse do cineasta e se transformando num dos grandes filmes de sua carreira e uma das melhores obras de terror saídas de Hollywood nas últimas décadas. Nesse meio tempo Winona teve um dos seus melhores trabalhos no longa em episódios Uma Noite Sobre a Terra (1991), do cultuado Jim Jarmush, e pouco depois faria um dos papéis principais no subestimado A Época da Inocência (1993), de Martin Scorsese, em que se colocaria em pé de igualdade com atores bem mais velhos e experientes como Daniel Day-Lewis e Michelle Pfeiffer, angariando a primeira indicação ao Oscar em sua carreira. No ano seguinte, a atriz seria novamente indicada ao prêmio da Academia como a protagonista do ótimo Little Women (1994), dirigido pela australiana Gillian Armstrong e quarta adaptação do famoso romance de Louisa May Alcott. Foi também selecionada pelo diretor dinamarquês Billie August (na época vencedor de duas Palmas de Ouro em Cannes) para o papel da mocinha em A Casa dos Espíritos, um novelão de qualidade discutível e com grande elenco, mas em que Winona faz um (péssimo) par romântico com o insosso Antonio Banderas.
A atriz ainda estrelaria mais alguns filmes sobre adolescentes, com resultados que oscilam entre o interessante (Reality Bites, uma boa estréia de Ben Stiller na direção, sobre os conflitos profissionais e afetivos de uma juventude sem perspectivas) e o mediano (Boys), mas também faria alguns grandes filmes em meados da década de noventa: o sensível Colcha de Retalhos (1995), o criativo Ricardo III – Um Ensaio (1996), dirigido pelo ator Al Pacino, e As Bruxas de Salem (1996), uma brilhante parábola sobre as paranóias que caracterizam as perseguições ideológicas. Em seguida, Winona faria uma das piores escolhas de sua carreira: participar de Alien Ressurrection (1997), um dos catastróficos longas da franquia estrelada por Sigourney Weaver. Até então, Winona se restringia a participar de bons projetos que priorizavam roteiro e atuações, e geralmente contando com diretores interessantes, o que torna ainda mais incompreensível que tenha aceitado trabalhar em um filme tão em desacordo com o seu estilo quanto o da série Alien. Dali em diante, a carreira da atriz desandou completamente, os bons papéis e projetos escassearam em sua agenda, e Winona foi sendo limada do mapa da indústria cinematográfica hollywoodiana. Ela ainda estrelaria em seguida um filme digno de nota, o drama Garota, Interrompida (1998), que ela própria produziu, mas que acabou consagrando Angelina Jolie, que levou um Oscar de coadjuvante para casa. Depois de uma participação de destaque numa das obras de Woody Allen (Celebridades), a atriz estrelou uma série de filmes frustrantes: o romance Outono em Nova York (2000), em que forma casal com Richard Gere (!), o terror Dominação (2000), e o fundo do poço, o remake do clássico de Frank Capra, A Herança de Mr. Deeds (2002), dessa vez como par romântico do bobalhão Adam Sandler. Todos os três filmes horrorosos e dispensáveis.
Uma das razões do declínio da atriz é fácil de explicar. Ela marcou sobremaneira interpretando personagens adolescentes, e muito do seu encanto era decorrente de sua estatura diminuta (ela mede apenas 1,62 m), do seu eterno jeito de menina frágil e muito meiga, de traços delicados, e olhar denso e expressivo que parece emprestado de alguma heroína de desenho animado japonês. Características que combinam com personagens jovens, mas não tanto com mulheres maduras que Winona teria que interpretar depois que fez trinta anos - pelo menos não na ótica dos donos do poder da indústria cinematográfica, que não lhe deram mais sequer um personagem realmente decente na última década. Algo parecido com o que ocorreu no passado com outra grande musa, Natalie Wood, que se destacou no cinema quando adolescente e no começo da juventude, mas que depois dos trinta anos também não fez um único filme à altura do seu talento. E o que arruinou ainda mais a carreira de Winona foi o episódio em que foi presa por furto de roupas numa loja em Beverly Hills, em dezembro de 2001. Nos últimos anos, as poucas participações mais relevantes da atriz foram pequenos papéis em Simone (2002), Maldito Coração (2002, belo filme estrelado e dirigido por Ásia Argento), e papéis maiores no semi-animado A Scanner Darkly (2006), do talentoso Richard Linklater e na comédia de humor negro Todas as Mulheres da Minha Vida (2007). Atualmente, pode ser vista em cartaz em mais uma ponta no blockbuster Star Trek, sucesso de bilheteria, e integra os elencos multimilionários de dois filmes que ainda não estrearam no Brasil: The Informers (2009), em que contracena com Billy Bob Thorton, Kim Basinger e Mickey Rourke, e The Private Lives of Pippa Lee (2009), com Robin Wright–Penn, Keanu Reeves, Juliane Moore e Alan Arkin. Mas o que os fãs mais desejam é que em breve ocorra um retorno triunfal de Winona Ryder, uma volta por cima da atriz no mundo do cinema, com trabalhos dignos do seu valor e do talento que demonstrou anteriormente. Assim esperamos.