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Dossiê André Klotzel

Capitalismo Selvagem
Direção: André Klotzel
Brasil, 1993.

Por João Pires Neto

Difícil definir até que ponto seria a ingenuidade de Capitalismo Selvagem - por vezes admirável, por vezes incômoda – uma virtude, uma pretensão ou mesmo uma grande deficiência. No roteiro escrito pelo paulistano André Klotzel, Elisa Medeiros, uma jovem jornalista, descobre que a empresa do milionário Hugo Victor Assis foi responsável por um grande massacre indígena na década de 50. Basta um jantar na casa do empresário para que a jornalista se apaixone. Encantada, ela busca desvendar o passado de Hugo e assim ajudá-lo a descobrir quem realmente é. Mas o retorno de Diana Assis, a megera e infiel esposa do empresário, que todos acreditavam estar morta, termina com os sonhos da jornalista. Desiludida, ela acaba perdendo o emprego, o pai e o apartamento onde sempre morou. Tempos depois, Elisa se engaja numa batalha em defesa dos índios, que novamente estão ameaçados pela expansão da Mineradora Jota, do empresário Hugo Victor Assis.

Apesar do título, há pouco de selvagem no longa-metragem de Klotzel, que não funciona (ou funciona muito superficialmente) como uma reflexão proposta acerca de um tema muito recorrente, do modernismo ao Cinema Novo: a identidade nacional; afinal o grande mistério do enredo de Capitalismo Selvagem é a origem do empresário Hugo Assis, um sobrevivente do massacre causado pela empresa do qual acabou tornando-se dono. Hugo Assis (o vilão) é Ubiratã (o herói) – assim como nós brasileiros somos índio e também o português colonizador que domesticou e exterminou centenas de nações indígenas. Outras discussões são rapidamente levantadas - e rapidamente esquecidas - como a questão da ética na imprensa (a jovem repórter que se queixa das matérias encomendadas), nas grandes empresas (chantagens, sedução e manipulação) e nas organizações não governamentais (as segundas intenções e o desinteresse do líder da entidade que deveria defender os índios).

Klotzel confessa que o universo fantasioso criado por Mario de Andrade em Macunaíma – e a sua adaptação cinematográfica dirigida por Joaquim Pedro de Andrade e estrelada pelo fabuloso Grande Otelo em 1969 – é uma das principais inspirações para a concepção de Capitalismo Selvagem. Do diálogo entre estas obras derivam duas características que se revelam eficazes: a abordagem sério-cômica e a mistura de gêneros.

O enredo procura construir propositalmente uma atmosfera folhetinesca e sensacionalista, assumindo em alguns momentos um tom que beira o absurdo. Essencial para este efeito a correta escolha de um elenco essencialmente cômico, formado pelos talentosos Marcelo Tas, Fernanda Torres e Marisa Orth. O desempenho sempre canastrão do global José Mayer, como o anti-herói Hugo-Ubiratã, é emblemático como tentativa de aproximação entre as linguagens televisivas (a telenovela) e a cinematográfica.

Mas infelizmente, na época de seu lançamento, Capitalismo Selvagem não conseguiu saciar a crítica especializada - que acumulava as boas expectativas geradas pelo sucesso de A Marvada Carne (obra anterior do diretor Klotzel) - e acabou adjetivando (merecidamente, até certo ponto) a produção de indigesta e de difícil. No entanto, não podemos ignorar o momento político em que a produção foi finalizada. De alguma forma, Capitalismo Selvagem – um dos três filmes brasileiros lançados no país em 1994 - reflete todo o desconforto e a amargura do depressivo início da Era Collor e o anunciado falecimento do cinema nacional, com o fim da Embrafilme. Para rodar Capitalismo, Klotzel contou com o financiamento da rede de televisão alemã ZDF e o Fundo de Cinematografia Cone Sul, da França.

Enfim, Capitalismo Selvagem, destila, mesmo que de forma ingênua e deficiente, a ironia e a crítica ácida de um cinema quase marginal, autoral e segundo seu próprio criador, pouco agradável de ver.



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