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Especial Jovem Cinema Paulista dos anos 80

Wilson Barros

Anjos da Noite
Direção: Wilson Barros
Brasil, 1987.

Por Vlademir Lazo Correa

Uma obra que segue sem pudor e quase sem freios a estética do seu tempo corre o risco de envelhecer depressa e soar como documento estético de certo período histórico, ao invés de permanecer com o mínimo de caráter atemporal que geralmente se espera de um filme com que nos deparamos em nossa frente, especialmente os que foram produzidos há mais de quinze ou vinte anos. É o que acontece com Anjos da Noite, de Wilson Barros (1948-1992), que provavelmente tinha consciência disso tudo ao filmar esse seu único longa-metragem, assumindo os riscos de criar uma obra que inevitavelmente não escaparia de, a longo prazer, se tornar datada em demasia, no melhor e pior que isso pode significar.

Anjos da Noite foi um dos vários pequenos grandes sucessos do cinema jovem paulista dos anos 80 ─ foi um destes filmes em que se misturaram ingredientes bem ao gosto da época para registrar a solidão do homem urbano na grande cidade, com sua vida noturna recheada de tipos solitários e marginais, invariavelmente em busca do amor ou do sucesso.

Algumas qualidades do filme certamente sobrevivem a uma revisão duas décadas depois – mas não sem problemas. Anjos da Noite exala aquele período em todos os fotogramas e há algo ali tremendamente datado na sua forma pouco sutil de entregar à platéia um produto que incorpora ao excesso o padrão estético da época no estilo de seu trabalho de fotografia, na utilização de canções e até nas interpretações, e também nas diversas citações da cultura pop e ligeira muitas vezes exclusivamente ligadas àquela década.

Ainda assim, perder-se nessas limitações do filme é abrir mão de muito do que ele tem de mais interessante, até mesmo porque é algo explicito que acaba se tornando um dos próprios temas da obra, no sentido de servir como crônica de uma época. Os anos oitenta eram formados por uma geração que, ao contrário das anteriores, não teve que lutar contra uma liberdade cerceada ─ e não falo na questão política, e sim na completa liberdade de costumes, de quem pôde crescer com todas as regras ao seu favor, ao ponto de quebrá-las por completo. A libertinagem, as noitadas regadas a sexo e a drogas desde muito cedo, e na cultura contemporânea, o vicio de diluição em que quase nada se cria de novo, tudo é relido, reciclado ─ e de forma cada vez mais simples, estereotipada. E consequentemente dando força a uma cultura brega ─ que sempre existiu, claro, mas não com o mesmo poder de tomar de assalto todos os lugares e formatos de mídia como passou a ocorrer desde os oitenta, ao ponto de tornar chique o que pode haver de mais estúpido e cafona. Como reação a isso tudo resultam males como as pragas do politicamente correto e do ultra-conservadorismo político que assolam o nosso tempo.

No âmbito da liberdade sexual, o castigo dos deuses seriam os tempos de AIDS como punição e imposição de restrições aos costumes. E que vitimaria o próprio diretor de Anjos da Noite, Wilson Barros, ex-estudante de arquitetura, ex-serígrafo – manipulador de silk-screen –, futuro graduado e professor de Cinema na ECA da USP. Fez logo de sua estréia o seu testamento cinematográfico, com toques de vanguardismo e underground, num jogo de metalinguagem com teatro dentro do filme, filme de outro, e que reserva ao também falecido Chiquinho Brandão (como o travesti Lola) os melhores momentos em cena, especialmente o monólogo da abertura, e o seu discurso perto do final, pouco antes de ser preso. Eis um filme que com certeza conta com muitos admiradores ─ a maioria dos quais certamente os que viveram os bons e maus tempos da década retratada.



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