Dossiê Guilherme de Almeida Prado
Entrevista com Guilherme de Almeida Prado
Parte 1 - Os primeiros anos: a cinefilia
Entrevista com Guilherme de Almeida Prado
Parte 1 - Os primeiros anos: a cinefilia
Por Gabriel Carneiro e Marcelo Carrard
Fotos de Gabriel Carneiro
Fotos de Gabriel Carneiro
Legenda: GAP - Guilherme de Almeida Prado; Z M - Zingu!, Marcelo Carrard; Z G - Zingu!, Gabriel Carneiro.
Z M – Observamos em seu trabalho que há uma referência muito grande na cinematografia de gênero. Gostaríamos de saber como foi a sua formação como cinéfilo, antes da faculdade, durante...
GAP – Minha formação foi simplesmente assistindo filmes. Na realidade, embora tenha assistido um ou outro filme antes dos 14 anos, eu comecei a assistir filmes com 14 anos. Até essa idade eu morei numa fazenda. Meus pais me levavam para assistir desenho animado do Walt Disney, qualquer coisa do gênero, mas me lembro de ter assistido poucos filmes antes. Depois disso, passei a assistir filme quase todo dia, e, às vezes, até duas vezes por dia. Eu morava em Ribeirão Preto. Dos 14 aos 17, morei nessa cidade, que na época tinha 12 ou 14 salas de cinemas. Naquela época tinha reprises, e os filmes geralmente ficavam uma semana em cartaz. Dava para eu assistir até dois filmes por dias, se quisesse, e todos inéditos para mim. Eu ia muito. Não chegava a ver dois filmes por dia, porque eu estudava e fazia outras coisas, mas sábado e domingo, eu assistia dois filmes por dia. Foi principalmente assim. Eu me mudei de Ribeirão com 17 anos, e vim para São Paulo, e obviamente aqui (risos) tinha milhares de filmes para assistir. Havia reprises, o que me possibilitou assistir não só aos filmes do começo dos anos 70, como também filmes de 66, 67. Havia muito filme para exibir. Havia os filmes japoneses da Liberdade. Era uma infinidade de filmes. Tornou-se normal eu assistir a dois filmes por dia. Às vezes eu assistia ao mesmo filme duas vezes. Minha formação foi principalmente vendo filmes. Também lia alguma coisa de cinema, alguns livros de cinema – tanto livro técnico, como livros de teoria cinematográfica.
Z M – E quanto ao gênero policial mais especificamente?
GAP – As pessoas acham que o policial é meu gênero favorito. Não é. Se fosse para escolher um gênero favorito, seria o faroeste, é o que eu gosto mesmo. Adoro faroeste. A questão é que filme policial é o gênero mais barato. No Brasil, temos pouco dinheiro. Policial é um gênero que dá para fazer filmes baratos, mas que não pareçam baratos, que não pareça que houve falta de dinheiro. Se fizer um faroeste sem dinheiro, vai ficar um faroeste vagabundo; um musical sem dinheiro vai ficar ridículo. O noir não. Lembro-me que quando filmávamos A Dama do Cine Shanghai, havia muita coisa que simplesmente não iluminávamos, ficava escuro, porque obviamente não dava para você trocar, tirar o carro, mudar o poste, etc, não dava para fazer nada disso, então o que fazíamos era simplesmente não iluminar, iluminávamos o ponto que achávamos interessante mostrar. Não é que eu não goste, eu gosto de filme noir, mas como falei, não é meu gênero predileto. Acabei fazendo mais filmes nessa linha porque a condição financeira permitiu. Fazer um filme que não pareça tão barato, e que pelo menos pareça que não faltou dinheiro. Acho que o pior tipo de filme é aquele que a gente assiste e diz: “se o cara tivesse mais dinheiro, o filme ficaria melhor, mas ficou aquela droga porque não tinha”. Se for para fazer um faroeste e não tiver cenários e grana, vai ficar vagabundo. Acho que foi isso que me levou a me interessar mais pelo policial. Eu tinha e tenho outros projetos que não tem nada a ver com noir, mas esses projetos simplesmente não dão certo, não saem do papel.
Z M – Como foi sua formação como cinéfilo, de consumidor de filmes em grande número, com toda a possibilidade que tem numa cidade como São Paulo, ainda mais naquela época? Quando você entrou na faculdade de cinema...
GAP – Não entrei na faculdade de cinema...
Z M – Não chegou a fazer faculdade...
GAP – Eu fiz engenharia.
Z G – Saiu de engenharia para fazer cinema.
GAP – Não, eu saí de Ribeirão Preto para fazer cinema. Era impossível fazer cinema em Ribeirão Preto, e meu pai era muito claro – ele me proibiu de fazer cinema. Ele disse: “se você quiser fazer cinema, você vai por conta própria; se você quiser fazer engenharia, direito, ou medicina, eu pago”. (risos) Então me pareceu prático vir para São Paulo fazer engenharia. Eu tinha facilidade com matemática. Nunca quis ser médico, e me parecia que a coisa mais fácil era engenharia. Pensei em fazer direito, mas um tio meu, desembargador, convenceu-me que não era uma boa. Principalmente porque eu queria fazer cinema. Eu falava “quero fazer cinema”. “Então faça engenharia, engenharia sempre serve para alguma coisa”, retrucava ele. Acho que ele tinha razão. Eu vim, na realidade, de Ribeirão para São Paulo, para fazer engenharia, mas com a intenção de fazer cinema. Acabei me formando engenheiro, porque não consegui fazer cinema. Sou formado em engenharia civil pelo Mackenzie. Nesse período todo eu não consegui fazer cinema. Consegui fazer filmes em Super-8, escrever roteiros, mas conseguir mesmo trabalhar, fazer cinema, não era tão fácil como eu pensava quando eu vim de Ribeirão Preto.
Z M – Como realizador você seria um autodidata, que vai aprendendo na prática...
GAP – Totalmente. Eu fui freqüentar a ECA [Escola de Comunicações e Artes, da USP] entre o meu primeiro e segundo longa-metragem. Eu freqüentei a ECA como ouvinte, por um ano. Esse ano foi minha única experiência acadêmica com cinema. Houve um acordo entre o sindicato, o SATED, e a ECA, que permitia que as pessoas que já trabalhavam e tinham registro profissional, freqüentassem a ECA como ouvintes. E eu fui o único que se inscreveu para esse acordo (risos).
Z M - Chegou a ter aula com algum professor...
GAP – Eu tive aula com o Chico Botelho, com o Wilson Barros... a ECA tinha outros professores muito bons dos quais eu não lembro o nome, tinha um montador famoso. A faculdade tinha uma série de coisas incríveis, que os alunos nem aproveitavam muito. Naquela época não existia nem VHS, então para se ver um filme, você tinha que vê-lo no cinema. Você tinha que alugar a cópia, que custava caro, e a ECA alugava cópias. Os alunos nem ligavam... Eu lembro que fiquei sozinho uma semana com a cópia de Cidadão Kane, na moviola, olhando de trás para frente. Alexandre Nevsky, do Eisenstein, também. A cópia ficava lá uma semana. Você podia projetar, e você podia ir para moviola, e brinc... para mim aquilo era incrível, não tinha DVD, não tinha nada. Ou você via o filme no cinema ou não tinha como vê-lo. Podia-se ir parando, olhando, fotograma por fotograma. Esse ano que fiquei na ECA foi interessante por causa disso. Eu tinha acesso a um monte de outras coisas, tinha aula de fotografia, tinha uma série de outras coisas que eu aproveitei. Acabei conhecendo um monte de gente que acabou trabalhando no meu segundo longa, A Flor do Desejo.
Z M – Observamos em seu trabalho que há uma referência muito grande na cinematografia de gênero. Gostaríamos de saber como foi a sua formação como cinéfilo, antes da faculdade, durante...
GAP – Minha formação foi simplesmente assistindo filmes. Na realidade, embora tenha assistido um ou outro filme antes dos 14 anos, eu comecei a assistir filmes com 14 anos. Até essa idade eu morei numa fazenda. Meus pais me levavam para assistir desenho animado do Walt Disney, qualquer coisa do gênero, mas me lembro de ter assistido poucos filmes antes. Depois disso, passei a assistir filme quase todo dia, e, às vezes, até duas vezes por dia. Eu morava em Ribeirão Preto. Dos 14 aos 17, morei nessa cidade, que na época tinha 12 ou 14 salas de cinemas. Naquela época tinha reprises, e os filmes geralmente ficavam uma semana em cartaz. Dava para eu assistir até dois filmes por dias, se quisesse, e todos inéditos para mim. Eu ia muito. Não chegava a ver dois filmes por dia, porque eu estudava e fazia outras coisas, mas sábado e domingo, eu assistia dois filmes por dia. Foi principalmente assim. Eu me mudei de Ribeirão com 17 anos, e vim para São Paulo, e obviamente aqui (risos) tinha milhares de filmes para assistir. Havia reprises, o que me possibilitou assistir não só aos filmes do começo dos anos 70, como também filmes de 66, 67. Havia muito filme para exibir. Havia os filmes japoneses da Liberdade. Era uma infinidade de filmes. Tornou-se normal eu assistir a dois filmes por dia. Às vezes eu assistia ao mesmo filme duas vezes. Minha formação foi principalmente vendo filmes. Também lia alguma coisa de cinema, alguns livros de cinema – tanto livro técnico, como livros de teoria cinematográfica.
Z M – E quanto ao gênero policial mais especificamente?
GAP – As pessoas acham que o policial é meu gênero favorito. Não é. Se fosse para escolher um gênero favorito, seria o faroeste, é o que eu gosto mesmo. Adoro faroeste. A questão é que filme policial é o gênero mais barato. No Brasil, temos pouco dinheiro. Policial é um gênero que dá para fazer filmes baratos, mas que não pareçam baratos, que não pareça que houve falta de dinheiro. Se fizer um faroeste sem dinheiro, vai ficar um faroeste vagabundo; um musical sem dinheiro vai ficar ridículo. O noir não. Lembro-me que quando filmávamos A Dama do Cine Shanghai, havia muita coisa que simplesmente não iluminávamos, ficava escuro, porque obviamente não dava para você trocar, tirar o carro, mudar o poste, etc, não dava para fazer nada disso, então o que fazíamos era simplesmente não iluminar, iluminávamos o ponto que achávamos interessante mostrar. Não é que eu não goste, eu gosto de filme noir, mas como falei, não é meu gênero predileto. Acabei fazendo mais filmes nessa linha porque a condição financeira permitiu. Fazer um filme que não pareça tão barato, e que pelo menos pareça que não faltou dinheiro. Acho que o pior tipo de filme é aquele que a gente assiste e diz: “se o cara tivesse mais dinheiro, o filme ficaria melhor, mas ficou aquela droga porque não tinha”. Se for para fazer um faroeste e não tiver cenários e grana, vai ficar vagabundo. Acho que foi isso que me levou a me interessar mais pelo policial. Eu tinha e tenho outros projetos que não tem nada a ver com noir, mas esses projetos simplesmente não dão certo, não saem do papel.
Z M – Como foi sua formação como cinéfilo, de consumidor de filmes em grande número, com toda a possibilidade que tem numa cidade como São Paulo, ainda mais naquela época? Quando você entrou na faculdade de cinema...
GAP – Não entrei na faculdade de cinema...
Z M – Não chegou a fazer faculdade...
GAP – Eu fiz engenharia.
Z G – Saiu de engenharia para fazer cinema.
GAP – Não, eu saí de Ribeirão Preto para fazer cinema. Era impossível fazer cinema em Ribeirão Preto, e meu pai era muito claro – ele me proibiu de fazer cinema. Ele disse: “se você quiser fazer cinema, você vai por conta própria; se você quiser fazer engenharia, direito, ou medicina, eu pago”. (risos) Então me pareceu prático vir para São Paulo fazer engenharia. Eu tinha facilidade com matemática. Nunca quis ser médico, e me parecia que a coisa mais fácil era engenharia. Pensei em fazer direito, mas um tio meu, desembargador, convenceu-me que não era uma boa. Principalmente porque eu queria fazer cinema. Eu falava “quero fazer cinema”. “Então faça engenharia, engenharia sempre serve para alguma coisa”, retrucava ele. Acho que ele tinha razão. Eu vim, na realidade, de Ribeirão para São Paulo, para fazer engenharia, mas com a intenção de fazer cinema. Acabei me formando engenheiro, porque não consegui fazer cinema. Sou formado em engenharia civil pelo Mackenzie. Nesse período todo eu não consegui fazer cinema. Consegui fazer filmes em Super-8, escrever roteiros, mas conseguir mesmo trabalhar, fazer cinema, não era tão fácil como eu pensava quando eu vim de Ribeirão Preto.
Z M – Como realizador você seria um autodidata, que vai aprendendo na prática...
GAP – Totalmente. Eu fui freqüentar a ECA [Escola de Comunicações e Artes, da USP] entre o meu primeiro e segundo longa-metragem. Eu freqüentei a ECA como ouvinte, por um ano. Esse ano foi minha única experiência acadêmica com cinema. Houve um acordo entre o sindicato, o SATED, e a ECA, que permitia que as pessoas que já trabalhavam e tinham registro profissional, freqüentassem a ECA como ouvintes. E eu fui o único que se inscreveu para esse acordo (risos).
Z M - Chegou a ter aula com algum professor...
GAP – Eu tive aula com o Chico Botelho, com o Wilson Barros... a ECA tinha outros professores muito bons dos quais eu não lembro o nome, tinha um montador famoso. A faculdade tinha uma série de coisas incríveis, que os alunos nem aproveitavam muito. Naquela época não existia nem VHS, então para se ver um filme, você tinha que vê-lo no cinema. Você tinha que alugar a cópia, que custava caro, e a ECA alugava cópias. Os alunos nem ligavam... Eu lembro que fiquei sozinho uma semana com a cópia de Cidadão Kane, na moviola, olhando de trás para frente. Alexandre Nevsky, do Eisenstein, também. A cópia ficava lá uma semana. Você podia projetar, e você podia ir para moviola, e brinc... para mim aquilo era incrível, não tinha DVD, não tinha nada. Ou você via o filme no cinema ou não tinha como vê-lo. Podia-se ir parando, olhando, fotograma por fotograma. Esse ano que fiquei na ECA foi interessante por causa disso. Eu tinha acesso a um monte de outras coisas, tinha aula de fotografia, tinha uma série de outras coisas que eu aproveitei. Acabei conhecendo um monte de gente que acabou trabalhando no meu segundo longa, A Flor do Desejo.