Dossiê Guilherme de Almeida Prado
Entrevista com Guilherme de Almeida Prado
Entrevista com Guilherme de Almeida Prado
Parte 5 - Anos 2000: Onde Andará Dulce Veiga? e o futuro no cinema
Por Gabriel Carneiro e Marcelo Carrard
Fotos de Gabriel Carneiro
Por Gabriel Carneiro e Marcelo Carrard
Fotos de Gabriel Carneiro
Legenda: GAP - Guilherme de Almeida Prado; Z M - Zingu!, Marcelo Carrard; Z G - Zingu!, Gabriel Carneiro.
Z G – Como é que foi ter lançado um longa depois de 10 anos?
GAP – Lançar longas foi o pior período que eu tive. Talvez captar o dinheiro seja muito chato também, mas é uma coisa que você pelo menos fica ali esperando, não te produz nenhum tipo de ansiedade. Lançar no Brasil é duro. A não ser que você tenha uma major – e major nenhuma acredita em meus filmes -, você lança de forma extremamente precária. O que acontece no Brasil e que eu acho um absurdo - acho que é o único país do mundo em que isso acontece - é que para o Brasil não faz a menor diferença se o seu filme faz ou não sucesso para você fazer outro filme. No mundo inteiro, se você faz um fracasso, você fica de molho um tempão, você vai ter que fazer um filme mais baratinho... Aqui não! Às vezes, tenho a impressão até que o seu filme ser um fracasso te facilita a conseguir fazer outra coisa. Isso é um absurdo, sabe? Não faz a menor diferença se você vai bem ou vai mal na bilheteria para conseguir fazer outro filme. Eu ficaria nervoso se fizesse diferença. Se o meu filme não for bem, eu não vou conseguir fazer outro filme. No Brasil não funciona assim. É completamente absurdo. Então, se não é possível lançar bem um filme, tudo bem, vamos fazer outro. Se eu fiquei satisfeito com o resultado do filme? É isso, é uma pena, porque é um absurdo: isso não te leva a nada. Nem se constrói uma indústria cinematográfica sob esse conceito. Mas esse é o conceito que existe no Brasil: não faz a menor diferença. Tem diretor que nunca fez um único filme de sucesso, (sua voz começa a ficar gradativamente estridente, mais e mais) e já tem uma filmografia enorme. (risos) Ele faz um filme atrás do outro, todos são ruins e todos não fazem sucesso. Ninguém está nem aí. Se você faz um filme ruim, sabe... O David Lynch já ficou anos sem filmar porque o filme dele nem era ruim, mas não fez sucesso. Aqui não. Você pode fazer um filme ruim, não fazer sucesso, e você continua filmando como se nada tivesse acontecido. Você pode fazer o melhor filme do mundo, e ninguém vai se importar. Ao contrário, cria-se uma inveja gigantesca que dificulta fazer outro filme. As pessoas dizem: “não, ele já fez muito sucesso, agora sossega. Fica lá na casa dele e não enche o saco.” Ele é colocado de quarentena. Mas no Brasil é assim. Fiz um filme, fiquei contente e gostaria que ele fosse bem lançado. Mas não está em minhas mãos promover um lançamento.
Z M – O romance do Caio, Por Onde Andará Dulce Veiga?, você leu...
GAP – Eu não li. Na realidade, o roteiro foi escrito antes do livro. Eu li no set de filmagem de A Dama do Cine Shanghai – eu me lembro claramente disso – uma crônica do Caio, chamada Onde Andará Lyris Castellani? Ela era uma atriz que fez dois ou três filmes com o Walter Hugo Khouri nos anos 60. O Caio fez essa crônica, e eu achei que ali tinha um argumento para um filme. Eu já conhecia o Caio – não era amigo dele, mas morávamos a três quarteirões um do outro -, e quando acabou as filmagens, procurei o Caio e disse que achava que naquele texto tinha uma idéia para um filme. Ele, então, me falou da Dulce Veiga, que era um livro que ele tinha tentado escrever cinco anos antes, mas acho que nunca tinha, na realidade, escrito uma linha. Nunca vi nenhuma linha desse livro. Nós pegamos a idéia da Dulce Veiga e a idéia do Onde Andará Lyris Castellani? e começamos a escrever um roteiro juntos. Escrevemos e chegamos a apresentar para a Embrafilme. Ela não se interessou. O roteiro talvez não fosse tão bom – eu o melhorei bastante na revisão. A Embrafilme recusou o roteiro. O Caio então achou que se ele escrevesse o livro, talvez fizesse sucesso, e poderíamos retomar a idéia de fazer o filme. Só que o livro acabou sendo lançado justamente em 1990. O livro até fez sucesso, mas não fazia diferença nenhuma para cinema. O roteiro ficou na gaveta.
Z M – Ele até se refere que era um roteiro de um filme B.
Z M – O próprio livro é ordenado e narrado de uma forma impressionante. Ele tem uma força imagética muito grande. Cada parágrafo é como se fosse uma cena.
GAP – Porque era um roteiro. O Caio escreveu muita coisa que não tinha no roteiro inicial, e muita coisa que eu usei no filme. Outras não. Tem no roteiro original, mas não tem no livro. O filme é um misto daquele roteiro que a gente escreveu, com o livro. O livro funciona completamente sozinho, sem nenhuma preocupação em estar adaptando o roteiro. Eu usei algumas idéias. O roteiro original era muito menos autobiográfico. Ele escreveu o livro de uma forma super autobiográfica. Isso eu incorporei do livro no filme.
Z M – Com o Onde Andará Dulce Veiga?, você participou do Festival do Rio, da Mostra de São Paulo. Você já viajou com ele para outro festival?
GAP – Estou indo agora. Vou para o Festival de Cinema Brasileiro de Paris. Já passou no Festival de San Diego, na Califórnia, mas eu não fui. Foi o ator que foi com o filme para lá.
GAP – Começou meio que por acaso. Eu escrevi um outro roteiro, um projeto caro, que era adaptação do Jorge Amado. Eu não tenho os direitos do livro, e eu achei que se eu ganhasse o Laboratório de Sundance, isso poderia me ajudar a conseguir com a Warner Bros. o direito de fazer o roteiro do Jorge Amado. Quando fui me inscrever para o Sundance, eu descobri que se pode inscrever dois projetos. Inscrever dois projetos dá uma força mais condizente. Peguei esse roteiro do Dulce Veiga, com certeza absoluta que ele iriam achá-lo datado. Ele era mesmo um tanto datado. Por incrível que pareça, selecionaram o Onde Andará Dulce Veiga? e não o outro projeto. Eu tinha que ir lá para o tal do workshop, e eu fui porque... você vai, né? Eu achava o roteiro datado, e eu falava. Eram quatro ou cinco dias, e cada dia você ficava conversando com um consultor, que era um roteirista, um diretor... Eles gostaram muito do roteiro, acharam que havia coisas datadas – coisa que eu deveria cortar -, mas acharam que a idéia, ao contrário, não era nada datada. A idéia era muito atual. Essa coisa da fama rápida, da pessoa querer ser famosa, de você ser famoso e desaparecer – onde andará? Eles me fizeram ver que era questão de jogar fora o que era datado, e desenvolver melhor o que não era datado. Foi quando eu resolvi ler o livro do Caio Fernando de Abreu, e peguei alguma coisa do livro. O projeto saiu voando sozinho. Devido ao fato de eu ter ganho o Laboratório, ganhei a Petrobrás, o BNDES, e tudo deslanchou. Ele acabou por se fazer sozinho. Por mim ele estaria na gaveta, datado. Eu achava que não devia mesmo fazer. Criticaram muito A Hora Mágica como um filme que eu devia ter feito naquela época [final dos anos 80], que eu fiz dez anos atrasados. Agora eu vou fazer um filme quinze anos atrasado. (risos) Estou andando para frente ou para trás? Chamaram a atenção para aquilo que não era. Dava para eu fazer um filme contemporâneo, tinha uma linguagem muito atual, ele tem uma coisa meio de videogame. Eles chamaram a atenção para aquilo que tinha de muito atual na proposta. Eu falei: “Poxa, não é que é verdade?”
Z G – Quanto tempo do Laboratório de Sundance até você conseguir filmar?
GAP – Foram três anos, mais ou menos. Três, quatro anos.
Z G – E quanto tempo de filmagem?
GAP – Foram onze semanas. A gente parou porque não tinha dinheiro. Acabamos a filmagem com um monte de dívida: tivemos que captar dinheiro para pagar a dívida, captar dinheiro para terminar o filme, e para lançar, faz quase um ano que estou tentando captar dinheiro.
Z G – As filmagens foram tranqüilas?
GAP – As filmagens foram. Foram onze semanas de filmagens em São Paulo, Manaus, Ribeirão Preto e Rio de Janeiro. O dia era cansativo, mas era tranqüilo.
Z G – Nenhuma Sandra Bréa nesse?
GAP – (risos) Não, não. Hoje em dia eu brinco que fiquei com anteninha de Sandra Bréa. (imitando) Quando as anteninhas começam a balançar assim, eu fujo correndo. Qualquer ator que eu acho que tem o mínimo de pentelhice, eu fico longe. Nem na equipe, porque tem equipe Sandra Bréa também. (risos) Eu só gosto de trabalhar com gente legal de trabalhar. Isso, para mim, é fundamental. Quando eu monto minha equipe, isso é fundamental. Gente que tenha prazer no trabalho, e que não venha para o set de filmagem encher o saco e trazer problemas da casa. Todo mundo já sabe. Chegamos ao absurdo no filme de agora, em que tive que pedir menos alegria no set. (risos) Eles estavam se divertindo muito, mas a filmagem não estava rendendo. (risos) “Menos alegria nesse set!” Geralmente, você vê baixo astral, mas muita alegria no set eu nunca tinha visto. (risos) Eles davam muita risada, e as filmagens não estavam andando.
Z G – Como foi a escolha de elenco? Chegar ao nome da Carolina...
Z M – Tem muitos nomes com quem você já trabalhou: Matilde, Imara, Torloni, Maitê, Oscar Magrini...
GAP – Tem um monte de gente.
Z G – É por isso também que você gosta de trabalhar com pessoas com quem você já está acostumado?
GAP – Um dos motivos é esse. Primeira vez que você trabalha com uma pessoa, você demora... cada ator você tem que dirigir de um jeito diferente. Cada ator tem uma maneira ligeiramente diferente, às vezes muito diferente, para você conseguir tirar o melhor dele. Não é questão de capacidade, é uma questão de diálogo com o diretor. Sempre que você começa a trabalhar com um diretor que você nunca trabalhou, demora um certo tempo para você adquirir esse diálogo. Depois de um certo tempo, você nem mais precisa dirigir. O ator olha para você e já sabe o que você está pensando. Fica muito mais fácil trabalhar com atores que já trabalharam com você, porque já sabem como funciona e como não funciona. Se eu tenho um personagem que serve para determinado ator, que por acaso eu já trabalhei, porque eu vou procurar outro? Só para ter mais problema? É um pouco de preguiça. Uma certa preguiça sempre é bom, e eu tenho uma. Vou trabalhar com aquilo que me dê menos trabalho. Você já sabe como funciona e como não funciona. O que não quer dizer que não faça filmes com outros atores. Em Onde Andará Dulce Veiga? tem uns cinco atores que nunca trabalharam com cinema, como a própria Carolina, o Eriberto Leão nunca tinha feito cinema, a Marília Chasseraux, até o pianista [indagando o nome dele, como se tentasse lembrar o nome]...
Z M – Nunca tinha feito cinema?
GAP – Nunca tinha feito cinema, um ator de teatro super conhecido.
Z M – Francarlos Reis.
GAP – Isso, o Francarlos Reis. Ele já tinha feito muito teatro, e nunca tinha feito cinema na vida. Tinha mais gente. O Carmo Della Vechia. Eu gosto de trabalhar com atores novos também. Assim como tem vários atores com quem eu já trabalhei e adoraria trabalhar de novo, mas nunca arranjo os personagens. Tem que ter um personagem que encaixe, não é que eu pego qualquer ator e encaixo em qualquer personagem. Se eu acho que tem um ator que cabe certinho naquele papel, porque eu vou pegar outro?
Z G – Como você escala esses atores? Você analisa por obras já feitas, ou faz teste?
GAP – Eu não sou muito fã de teste. Eu nunca chego a uma conclusão quando eu faço teste. Eu fiz alguns testes no filme, mas era quando eu tinha dúvida entre um e outro. Em geral, eu gosto de ver trabalhos que o cara fez. Às vezes você erra... Em geral, baseado no que ele fez eu consigo saber se é o que eu quero. Eu acho que tive muita sorte. O Eriberto entrou no filme vinte dias antes de começar a filmar. O Oscar Magrini não era o Oscar Magrini. Com ele foi diferente. Não o cogitava para o papel. A Matilde insistiu que ele tinha que fazer um teste. Eu achei que não tinha cabimento eu me negar a deixá-lo fazer um teste. Eu dizia que não achava que ia dar certo. Ela tinha lido o roteiro por causa do papel dela. Ela me propôs quando soube que o ator que ia fazer, não ia fazê-lo mais. No meio do teste, eu falei: “Tá bom, está contratado!” Ele está muito bem. Eu achava que não era capaz de fazer.
Z G – E a Carolina Dieckmann?
GAP – A Carolina foi uma coisa engraçada. A minha mulher tinha me falado da Carolina. Foi uma história completamente louca. Minha mulher falou muito da Carolina Dieckmann, e eu achava que ela era aquela que era casada com o Ronaldinho.
Z M – Daniela Cicarelli.
GAP – Eu achava que a Carolina era a Cicarelli. Eu não assisto novela, eu vejo pouca televisão. Minha mulher falava dela. Eu dizia: “não, não é o que eu quero”. Minha mãe sugeriu uma atriz muito boa, que até serviria para o papel, mas achei que ela estava meio gorda. Aquela que fez A Ostra e o Vento... A Leandra Leal. Eu queria a Leandra Leal, mas ela estava fazendo uma novela com uma personagem meio punk. Eu fui assistir a Leandra Leal – eu a acho ótima atriz -, mas eu queria uma atriz magra. Como a personagem cheira muito, tinha que ser muito magra. Eu achei a Leandra gordinha. Quando eu assisti, eu falei para minha mulher: “eu gostei da loirinha.” (risos) “Eu achei a loirinha interessante”. (risos) “Mas é a Carolina Dieckmann!”, disse minha mulher. (risos) Foi assim que eu chamei a Carolina.
Z G – Isso foi em 2005 mesmo?
GAP – 2005. Ela gostou do papel, disse que era o melhor personagem que já tinha feito na vida. Ela entrou um pouco em cima, podia ter entrado muito tempo antes. (risos) Quando eu contei para ela, ela morria de rir. (risos) Eu sou tão ignorante em televisão, e ela nunc afez cinema. Eu nunca a tinha visto. Me falavam Carolina Dieckmann, e eu achava que era a Daniela Cicarelli. Para mim, Carolina Dieckmann e Daniela Cicarelli eram tudo a mesma coisa. (risos)
Z G – Porque você foi filmar em Manaus?
GAP – Não era para fazer toda a Manaus. O projeto original era fazer quase todo aqui na baixada santista. Mas havia um problema, porque o ator tinha que cortar o cabelo, e inviabilizava cortar um pedaço aqui e um pedaço lá. Ficava mais fácil filmar tudo lá. Foi ótimo. Embora seja muito difícil filmar lá, porque é muito calor, ficou muito melhor se eu tivesse filmado aqui. Manaus é realmente fantástica. Precisa de uma estrutura de produção muito grande para filmar lá.
Z G – Você já tinha ido lá?
GAP – Já tinha ido de turista, mas não conhecia muito. É tudo muito longe, tudo muito demorado. Compensou. Ficou muito melhor ter filmado lá do que se eu tivesse filmado aqui. Era só para filmar as partas mais gerias lá. As mais fechadas aqui. Isso foi sorte. Muito mais real, muito mais o que eu queria.
Z G – Você volta a colocar alguma coisa mais de gênero?
GAP – Não. Eu nunca vou fazer um filme de gênero. Eu gosto de filmes policiais, então eu acabo colocando alguns elementos do policial. O que eu gosto é de experimentar. É meu filme mais experimental.
Z M – A pós-produção...
GAP – A gente acabou fazendo um monte de coisa digital. Não fiz mais, porque não sabia que dava para fazer e ficar bom. Fiquei com medo de ficar tudo meia-boca. Me segurei um pouco. Havia um monte de coisa que eu podia ter usado mais.
Z M – Foi tudo realizado aqui no Brasil?
GAP – Tudo brasileiro, realizado pela TeleImage. Muito competente. Eu cheguei até a filmar coisas com duas opções, com medo, pois não há nada pior que um efeito digital meia-boca. É melhor não ter nada. Cheguei a filmar com duas opções, mas não precisava. Depois que eu não fiz efeito digital, podia ter feito tranqüilo, que estava ótimo.
Z G – Você filmou em película?
GAP – Filmei em película. Finalizei tudo em HD. Tem bastante coisa de pós-produção. Isso eu gostei demais. Realmente dá para você pintar o filme. Ideal. Você coloca um capacete e imprime na película. (risos) Dá para você fazer o filme que você imaginou. Ainda custa caro, mas isso é uma questão de tempo. Acho que é meu filme mais experimental, não só por causa dessa parte digital, mas porque tem uma estrutura menos tradicional. Fica difícil você dizer que gênero é o filme. Tem elementos policiais: o jornalista, encontrar a Dulce Veiga... Ele lembra mais um videogame do que outra coisa. Ele é do gênero videogame. (risos) É tudo bifurcações. Tem nove finais, não quer dizer que aparece final um, final dois... Nove possibilidades de acabar.
Z G – Se você pudesse, você mudaria algum filme, faria diferente?
GAP – Todos.
Z G – Incluindo o Dulce Veiga?
GAP – Inclusive. Tem várias coisas que eu adoraria refazer. (risos) Se eu pudesse refazer...
Z G – Agora dá para lançar a versão do diretor...
GAP – Teria de ser refilmado... Tem uma hora que eu falo “está pronto”, e pronto. Até pretendia lançar a versão de diretor em DVD, mas não acho que vai dar certo. Eu pensei eu fazer uma versão redux. Não dá para fazer tudo, porque não dá para refilmar, mas mudar algumas coisas. O filme era previsto para ter uma parte em cores, e uma parte em preto e branco. Uma série de coisas. Um dia fui por acaso lá no SATED. Eles marcaram uma projeção, e eu acabei indo. Fiquei pensando que não devo fazer isso. Se for para fazer, será para corrigir digitalmente algumas coisas que eu não gosto. Não vou fazer a versão redux mudando tudo, não. Acho que iria me arrepender. Melhor deixar do jeito que está.
Z G – E os outros?
GAP – Se eu fosse poder refilmar, eu refilmaria até Dulce Veiga, que tem algumas coisas que eu gostaria de refilmar. Adoraria poder fazer de novo. Adoraria fazer como o Wong Kar-Wai que fica dois anos filmando. (risos)
Z G - Há alguma previsão para lançamento em DVD de seus filmes?
GAP – Não, não. Custa caro. Até tive proposta para lançar do jeito que está. Mas não dá para lançar com qualidade de VHS. Ou remasteriza digitalmente., ou não dá.
Z G – Mas nem com esses projetos do governo de restauração?
GAP – Para você conseguir financiamento, você tem que morrer. (risos) Eu fiz o projeto, fui aprovado pela Lei do Audiovisual, para restauração de todos os meus filmes. Aprovei tudo, só que você não capta. Para você captar, você tem que morrer primeiro. Então deixa, né? (risos) Chegando lá, muda o projeto... Só autor morto.
Z G – Glauber Rocha, Sganzerla...
GAP – Todo mundo que morreu.
Z M – O que fez Macunaíma... Joaquim Pedro de Andrade.
GAP – Eu cheguei à conclusão que teria de morrer antes. Eu prefiro esperar mais um pouquinho e lançar depois. Eu gostaria de relançar todos os meus filmes digitalmente, lançar em DVD. Adoraria, mas é caro, muito caro.
Z M – O DVD tem a vantagem dos extras.
GAP – Sim, sim. Algumas coisas eu guardei. Não tudo, infelizmente.
Z M – O que eu acho muito interessante é o comentário em áudio.
GAP – Comentário em áudio eu não sei se faria. Eu não gosto muito de comentário em áudio. Nessa época que eu estava tentando captar, começamos a nos preparar, caso conseguíssemos captar. O Lewgoy ainda estava vivo, e nós íamos fazer os comentários de A Dama do Cine Shanghai. Eu ia pegar algumas pessoas para falar, não eu. Comentário de diretor eu acho muito cabotino. Além de eu achar chato quando vejo, esse negócio de ficar falando de você mesmo no filme, durante duas horas, começa a falar um monte de abobrinha. Eu não queria de jeito nenhum. Comentário eu não ligo muito. É legal por outro material. Os trailers... eu tenho o início original de A Flor do Desejo, em cópia, não é em negativo. Em negativo, perdeu-se. Aquilo é muito bom. Acho até um pouco melhor do que o que ficou. Foi um corte mal feito, não pelo fato de ter feito o corte, mas foi mal feito. Tem algumas coisas assim que eu guardei.
Z G – Você tem algum projeto para um futuro próximo ou não próximo?
GAP – Projetos eu tenho de montão. O problema é que eu acho que nessa estrutura de produção que tem hoje não. Tem tanta lei de incentivo, e eu não me sinto incentivado. Está muito, muito, muito chato.
Z G – Muita burocracia?
GAP – Burocracia você enfrenta e vence. Mas burocracia para você não conseguir... é como eu falei, não tem lógica. Não faz diferença se o seu filme faz sucesso ou não. Eu estou até desenvolvendo um projeto para a televisão, porque prefiro fazer televisão do que entrar em outra briga como foi para fazer Onde Andará Dulce Veiga?
Z M – A televisão tem muitas possibilidades interessantes. A TV a cabo é muito pouca explorada no Brasil.
GAP – Não vou dizer que é fácil, também. Pelo menos você não tem que procurar patrocinador. Quem produz é o canal. O que eu sei fazer não é arrumar patrocinador, o que eu sei fazer é a droga do filme. Ficar procurando é um inferno. Eu nunca consegui fazer um filme com a mesma estrutura. Agora que estou acabando, já está mudando a estrutura. A Hora Mágica foi feita com a Lei do Audivisual/MinC. Dulce Veiga foi Lei do Audiovisual/Ancine. E agora já estão criando Lei do Audiovisual/Funcine. É um outro jeito de pegar dinheiro, com fundo. É duro isso. De que adiante ter um projeto agora, se vai mudar toda a estrutura? Como é que eu vou fazer? De quem eu terei de puxar o saco? É tudo um inferno. Como falei, projeto eu tenho de montão. Quando eu estou meio deprimido, eu gosto de escrever. De que adianta fazer o filme, se não consegue lançar?
Z M – E a Academia Brasileira de Cinema? Você acha que faz parte?
GAP – Aquela do Rio?
Z G – É.
GAP – É super carioca, super carioca. Eu era membro no começo, depois eu saí. De que adianta você ser sócio de um clube que você não freqüenta? A idéia em si não acho ruim, mas ficou muito carioca. Totalmente cinema do Rio. Não que seja contra, mas não acho que seja minha turma. Como acho que eles não me vêem como da turma deles. Acabei me afastando. Acho que não conseguiu se estabelecer como brasileiro, apesar ter no nome. Ainda não vingou como brasileiro. È ação entre amigos. Tudo no cinema está virando ação entre amigos, a Academia também. Não importa se seu filme faz ou não sucesso, importa os amigos que você tem. Se todo mundo votava como eu votava, não tem muita lógica. Eu não tinha visto a grande maioria dos filmes. Eu anotava o nome dos amigos, e votava neles, mesmo sem ter visto os filmes. Devia haver um monte de gente que faia a mesma coisa. (risos) O que significa isso? Tudo hoje em dia funciona à base do contato. Como os meus contatos eram na Boca do Lixo... (risos) Eu não tenho mais contatos. Agora eu preciso me dedicar a arrumar contatos. (risos) Quando eu arrumar contatos, eu preciso descobrir que tipo de filme eu preciso fazer para agradar os meus contatos. É bem isso que está virando. Com a Funcine, haverá mais contatos ainda.
Z M – Mas como é isso? É um órgão? Já foi divulgado?
GAP – Já, já, é uma realidade concreta. O que vai sair é uma instrução normativa para tentar, espero, cercear um pouco. Do jeito que está, parece a casa da mãe Joana. Você pega o dinheiro e faz o que quer, do jeito que quer. Por enquanto, está assim. Como tudo no Brasil. O Funcine é subordinado a Ancine. Agora se quer fazer uma instrução normativa para saber o que está acontecendo. No momento, ela não sabe nem o que está acontecendo. Ela é a última a ficar sabendo. É um novo esquema. Ninguém mais está conseguindo fazer filmes com a Lei do Audiovisual. Ou você tem uma major, ou você só consegue fazer filme baratinho. Eu já estou de saco cheio de fazer filme baratinho. Todo mundo fica fazendo BO. BO no fundo é uma grande exploração dos seus amigos. Eu fiz Perfume de Gardênia super BO, explorando os meus amigos. Vou ficar a vida inteira explorando os amigos? Todo mundo fez na maior boa vontade, ganhando uma merreca. Era outra época. Todo mundo topava fazer por nada, eu não vou ficar a vida inteira explorando os amigos, que é o BO. O cara está começando na carreira? Tudo bem, todo mundo começa explorando os amigos. Eu já virei veterano. Veterano explorador de amigos? Preciso fazer um filme com um pouco mais de consistência. Com Dulce Veiga, eu ganhei todos os concursos que dava para conquistar. Foi pouco para fazer o filme. Foi feito sem grana. Não dá para fazer um filme um pouco maior que Dulce Veiga, a não ser que tenha uma major, e major acha que eu sou “muito artístico”, que eu vou dar problema. Não é verdade, eu vim da Boca do Lixo, eu não vou dar problema nenhum. Como eu vou explicar para o cara? Eles acham mesmo, eles dizem. Não para mim, mas falam para outras pessoas que trabalham comigo. “Muito autoral...”