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Dossiê Guilherme de Almeida Prado

Entrevista com Guilherme de Almeida Prado
Parte 4 - Anos 90: de Collor à Retomada
Por Gabriel Carneiro e Marcelo Carrard
Fotos de Gabriel Carneiro

Legenda: GAP - Guilherme de Almeida Prado; Z M - Zingu!, Marcelo Carrard; Z G - Zingu!, Gabriel Carneiro.

Z M – Falando do Perfume de Gardênia: ele foi produzido na época em que a Embrafilme acabou, embora ele tenha sido escrito antes. Ao mesmo tempo, é um filme que traz muito da sua memória afetiva da Boca, lembrando muito do período, embora tenha outras influências. Quando você começou a elaborar o roteiro?

GAP – O argumento foi feito na Boca - era para ser um filme da Boca. Na época não se chamava Perfume de Gardênia. Originalmente, era para ter sido feito com a Helena Ramos. Ela não ia ser uma atriz da Boca. O passado dela era como atriz do Cinema Novo. Era o argumento, não o roteiro, que eu tinha escrito e que na época não colou. Ninguém gostou do argumento. O Portioli tinha gostado, mas não foi para frente. Ele levou para mostrar pra alguém.. Eu não me lembro. Eu me lembro que era um argumento de cinco ou seis páginas. Quando eu fui trabalhar na Casa de Imagens, que foi uma empresa que a gente montou em 88, 89, e era composta pelo Carlos Reichenbach, Inácio Araújo, Júlio Calasso, Andrea Tonacci, André Luiz Oliveira e eu. Nós montamos uma empresa porque a gente achava que justamente estava acabando o cinema popular da Boca do Lixo...

Z G – Não era a Embrapi, certo?

GAP – Não era a Embrapi, essa foi antes, ainda na época da Boca. A Casa de Imagens era uma segunda Embrapi. Estava acabando a Boca e a gente não queria ir para Embrafilme, a não queríamos fazer cinemão. Juntamos, então, um monte de cineastas para desenvolver o cinema popular. Era uma idéia meio maluca. Nem sei quem teve. Não fui eu (risos). A idéia era de desenvolver uma nova versão do cinema popular brasileiro. Uma nova pornochanchada, porque não tinha mais sentido criar erotismo já que já tinha sexo explícito. O único projeto da Casa de Imagens que virou filme foi o Perfume de Gardênia, porque nós conseguimos o dinheiro da Embrafilme. Foi um caso inédito na época. Eles deram dinheiro para a gente desenvolver uma empresa. A única coisa que a tínhamos que entregar eram dezoito argumentos, porque eram seis [pessoas], e cada um tinha que desenvolver três. Desses argumentos eles iam escolher, em comum acordo com a gente, 6 e esses seis seriam transformados em roteiro.O dinheiro que eles deram era para fazermos isso. Fizemos tudo isso. Infelizmente, o único que foi filmado foi o meu. Obviamente, o que aconteceu é que eu, por exemplo, desenvolvi um argumento novo e peguei dois da gaveta. Todo mundo ali fez mais ou menos isso. Eu acho que a gente até apresentava mais idéias, e se escolhiam os três argumentos. [Na época], eu tinha desenvolvido também um outro argumento, que era o que eu achava que ia ser feito - era baratinho e super simples. Coloquei o Perfume de Gardênia, que na época chamava O Menino que gritava Lobo e um outro... não me lembro qual foi o terceiro. Tinha certeza que eles iam escolher um que era sobre o banheiro de um cinema. Era uma espécie de O Baile, de Ettore Scola, só que ele se passava no banheiro de um cinema. No feminino e no masculino. Do cinema mudo até virar Igreja. Até virar estacionamento, terminava como estacionamento. Eu achava que eles iriam escolher esse. Sei lá porque todos insistiram que a história boa era a do Perfume de Gardênia. A história ainda estava em versão Boca e eu adaptei para anos depois. Ela [a atriz principal], em vez de ser uma atriz do Cinema Novo, virou uma atriz da Boca... Acho que foi o melhor roteiro que escrevi na vida - e foi um roteiro que eu escrevi em 3 semanas. Eu me tranquei em casa - naquele tempo se escrevia em máquina de escrever. Eu era meio obsessivo, se eu errava uma palavra na página, batia a página inteira [de novo]. Eu desliguei o telefone, fiquei três semanas trancado em casa, porque tinha que entregar para receber o dinheiro. Tinha que cumprir a data para receber a grana. Eu me tranquei em casa e arrumei alguém para passar a limpo. Eu não ficava com essa mania de ficar rebatendo a página, porque quando eu errava uma palavra eu corrigia e a datilógrafa passava a limpo para poder entregar para a Embrafilme a tempo das três semanas. Evidentemente, quando fui filmar, dei uma melhorada, porque foi escrito rapidinho mesmo. Era um filme de orçamento barato, para ser produzido com a Embrafilme. A Embrafilme pretendia produzir os seis filmes que escolhemos. O único que acabou realmente sendo filmado foi o Perfume de Gardênia, já sem a Embrafilme e sem a Casa de Imagens. A Casa de Imagens também tinha ido para o brejo quando eu filmei. Eu ia filmar logo no início do governo Collor, com a Casa de Imagens.

Z G – E o fato de você ter ganho o Kikito [de Melhor Filme, prêmio máximo do Festival de Gramado] com A Dama do Cine Shanghai não facilitou para você fazer outros filmes?

GAP – Não, porque acabou, eu acho que teria facilitado com a Embrafilme, mas como acabou, o Kikito acabou servindo para nada. Com certeza, o próprio fato da Casa de Imagens ter comprado a idéia era fruto disso. Havia o Carlão e um monte de outras pessoas, quer dizer, eram pessoas que achavam que eu ia fazer um trabalho legal, já que eles toparam investir no advento de uma produtora, entendeu? Tivemos aula de produção, a gastamos uma grana para montar uma produtora. Infelizmente, a produtora acabou não produzindo nada. Nos formamos em produção, inclusive. Um ia produzir o filme do outro. Todo mundo fazia papel duplo. Todo mundo participava do filme de todo mundo de alguma forma. A idéia era essa. Sempre tinha um que era o produtor e um que era o diretor. Essa idéia [da Casa de Imagens] acabou morrendo. Eu acabei nesse projeto, que já estava meio andando, e acabei produzindo depois numa situação completamente diferente. Porém, acabei fazendo o filme, foi o único roteiro da Casa de Imagens que virou filme.

Z M – Agora, falando do elenco, você colocou a Christiane Torloni...

GAP – A Torloni entrou no filme dez dias antes de eu começar a filmar. Quem ia fazer o filme era a Vera Fischer. Só que a Vera Fischer começou com umas loucuras muito parecidas com a Sandra Bréa. (risos) Eram idênticas. Não quis cometer o mesmo erro duas vezes. Eu ia ser muito burro de fazer o mesmo erro duas vezes, né? Ela começou com viagens idênticas às loucuras da Sandra Bréa.

Z M – A personagem de José Lewgoy é uma citação a Ody Fraga?

GAP – O Lewgoy era fisicamente muito diferente do Ody, e não fiz o Lewgoy imitar o Ody. No roteiro, era o Ody. O roteiro é escrito totalmente em cima do Ody, algumas coisas que ele fala são típicas do Ody. Quando eu escrevi o roteiro, o personagem era o Ody mesmo. Com o Lewgoy a gente fez uma coisa um pouco diferente, até porque o Lewgoy não conheceu o Ody. Não tinha como o Lewgoy fazer uma imitação do Ody. A referência é explicita mesma. No roteiro era explícito. Ele foi o único filme inteiramente rodado no ano de 91. Todos os outros foram finalizados em 91 ou começaram a rodar nesse ano.

Z G - O filme foi lançado em 92, certo?

GAP – Foi lançado em 95

Z - Foi o ano em que você fez Glaura?

GAP - Foi

Z - Você já tinha terminado Glaura quando lançou?

GAP - Acho que não, acho que foi um pouquinho antes que lançou. Eu não me lembro exatamente do lançamento. Eu me lembro quando eu filmei, mas ele foi lançado bem depois. Nem tinha distribuidora quando o filme ficou pronto. Aí apareceu a Sagres Filmes e a não tínhamos dinheiro. Agora não me lembro em relação ao Glaura. Se eu terminei ele antes ou depois.

Z G - Eu li um artigo seu sobre o Glaura, em que você fala sobre como você queria fazer uma coisa mais experimental, algo que você não conseguia fazer com longas. Você acha que você conseguiu isso com Glaura?

GAP – Não, não, porque o Glaura era um episódio de um longa. O que eu ia fazer era um filme totalmente experimental. Quando eu li o roteiro dos outros, vi que os outros filmes eram completamente diferentes, eram todos cenas cotidianas e que ia ficar só o meu episódio totalmente experimental, ia ficar uma coisa completamente estranho no ninho. Eu mudei de idéia e fiz uma outra história, mas o roteiro original era totalmente experimental, e não tinha nada a ver com Glaura. Originalmente, era só com a Júlia [Lemmertz] e com o Alexandre [Borges]. Eu escrevi um outro roteiro em 4 horas. Quem me deu a idéia foi o Lewgoy. Eu já estava mais ou menos marcando a filmagem com a Júlia e com o Alexandre e o Lewgoy me ligou e falou: "Que papel eu vou fazer?" Eu falei: “Lewgoy, é só um casal, a história inteira se passa com eles trepando numa cama, não tem nenhum papel para você.” (risos). Eu resolvi que ia fazer essa história complicada, cheia de coisas técnicas: feedback projective, cam projective, um negócio muito complicado que ia dar um trabalhão e ia ficar um negócio completamente diferente do resto do filme. Além disso, na mesma época, o Oliver Stones lançou Assassinos por Natureza, e usa os mesmos recursos dele, e a peça Eu sei que Vou te Amar, do Arnaldo Jabor, estava em cartaz no Rio justamente com a Júlia e o Alexandre. Todo mundo ia dizer que eu copiei a história de um, com os mesmos atores, e copiei a técnica do Oliver Stone. Eu pensei: porque que não faço algo diferente com o Lewgoy. Já havia convidado a Júlia e o Alexandre... Foi o único caso de roteiro que eu escrevi para os atores que o filmaram.

Z G – E a personagem da Matilde?

GAP – A Matilde, é. Eu nunca fiz em outro longa, mas acho que é um personagem que ela faria super bem. Na Boca sempre deram para a Matilde personagens que não tem nada a ver com ela. A Matilde é italianona da Mooca. Ela tem que fazer papel de italiana da Mooca. É igual a Sophia Loren fazendo mulher sofisticada. Sempre fica meio meia-boca, né? (risos)

Z M – Você falou que o roteiro de A Hora Mágica já havia sido escrito há bastante tempo...

GAP – Eu acho que esse roteiro é até anterior à Boca do Lixo..

Z M – O interessante é aquela temática central que fala dos programas e das novelas de rádio. De onde você trouxe essa memória do rádio?

GAP – A Hora Mágica nasceu na de um conto do Cortazar [Cambio de Luces]. Eu fui fazer uma pesquisa sobre rádio no início da televisão justamente para escrever o roteiro. Não era uma idéia que eu tinha.... a partir do conto eu me interessei. Era um conto que se passava numa rádio, não tem televisão, isso eu acrescentei. Eu comecei a escutar programas antigos de rádio, ler livros sobre rádio... Eu sempre gosto de, quando eu estou escrevendo, ler coisas sobre assuntos paralelos. Foi assim que nasceu essa coisa com o rádio. Não foi a idéia: vou fazer um filme sobre rádio. Não, a idéia veio do conto do Cortázar mesmo. E acabou sobrando muito pouco do conto no filme, mas a semente do filme veio do conto do Cortázar.

Z G – Você fala que brinca muito com o som e com a imagem. Você acha que acabou fazendo um pouco mais do experimental que buscava nesse filme por usar mais esses atributos?

GAP – Eu experimentei muita coisa de som. Eu já tinha experimentado em A Dama do Cine Shanghai bastante, menos um pouco no Perfume de Gardênia, porque foi um filme feito com muito menos recursos, foi mais econômico. Ele já era um projeto econômico quando a gente fez o roteiro, e ele foi filmado de uma maneira ainda mais econômica, com um terço do orçamento original do filme. Menos de um terço na verdade. Foi um filme feito com muito pouco dinheiro. Algumas coisas eu já tinha começado a experimentar na Dama, até porque a Dama era meio filhote de A Hora Mágica. Eu experimentei bastante em A Hora Mágica e nesse filme novo [Onde Andará Dulce Veiga?], experimentei mais ainda.


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