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Dossiê Cláudio Cunha

Entrevista com Cláudio Cunha

Parte 1 - Infância, adolescência e início de carreira

Por Matheus Trunk

Zingu! - Pra gente começar, fala dos seus pais, a ocupação deles.

Cláudio Cunha - Meu pai vivia de biscates. Vendia enceradeira...fazia das tripas coração pra sustentar a família. O velho sempre dava algum jeito pra sustentar a gente. Mas não era formado em faculdade, essas coisas...era um autodidata. Estava sempre fazendo uma coisa, outra, se virando. Minha mãe era dona de casa. Eram pessoas bem humildes e simples. A vida do meu pai, por exemplo, vinha da vivência dele.

Z- Você começou a freqüentar cinema na Vila Guilherme? O que você lia nessa época?

CC- Não. Eu sempre gostei de ler. Então, eu sempre tive uma boa cultura literária. Mas a minha literatura era livro de bolso, Sharon Scott, Alexandre Dumas, Charles Chan. Eu era fanático por gibi...a gente não tinha televisão. Quando eu fui dirigir O Clube das Infiéis o Pio Zamuner, que era o diretor de fotografia ficou assombrado comigo: “Nossa, é sua primeira direção. De onde vem essa noção sua de enquadração?”. Isso era pelo gibi. Lendo bastante, você acaba tendo noção da hora de abrir, da hora de fechar, essas coisas todas. Eu já levava essa escola do gibi, e já entendia de movimentação de câmera. Pra mim, isso foi uma facilidade. O Pio se assustou porque ele pensou que eu tinha contratado ele pra fazer tudo.

Z- E depois você foi pro seminário?

CC- Sim, quando eu tinha doze anos, eu fui pro seminário dos padres carmelitas em São Roque. Fiquei dois anos lá. Foi uma época que eu aprendi muito, um estudo bem forte. Lá eu li os clássicos, Dostoievisky, Victor Hugo e isso tudo me deu uma boa formação. Antes do seminário, eu era viciado nos seriados de cinema como Durango Kid, Roy Rogers. Mas o que me despertou para o cinema foi quando eu tinha vinte e dois anos, quando eu fui baleado.

Z- Foi quando você sofreu o acidente?


CC- Sim. Naqueles dias, eu tinha tentado me matar. Não sei se eu cheguei a tentar, mas eu cheguei a tentar pular da janela do Hospital do Servidor. Fiquei na janela pendurado com os pés pra fora pensando de que jeito eu teria que cair no chão porque eu não queria que a minha mãe me visse com a cara espatifada. Eu queria cair de costas, tinha que estourar por baixo. Foi quando o Nicolau, outro paciente me puxou. O cara gritou tanto que era pra ele ter tido alta e acabou ficando mais tempo no hospital (risos). Ficamos amigos depois. No hospital, eu vi um filme que me deu uma motivação muito grande pra eu enfrentar o meu problema. Era sobre um jogador de basquete. Por isso, eu decidi fazer cinema. Pensei em ser ator, porque nem tinha idéia de que um filme pertence ao diretor.

Z- Foi nesse momento que você entrou na Excelsior?

CC- Sim, comecei fazendo figuração. Mas queria ser ator, nem tinha pretensão de ser diretor (risos). Mas já estava pensando em fazer cinema. Na época, eu inclusive pedi pro meu pai alguns livros sobre a sétima arte.

Z- Quais atores você admirava? Se espelhava?

CC- O Burt Lancarter era meu ídolo. Gostava muito dos trabalhos dele, do Anthony Quinn também. Entre os cômicos, o meu preferido era o Mel Brooks.

Z- Depois você saiu da figuração?

CC- Sim, eu percebi que se eu ficasse na figuração, eu iria ser figurante a vida toda. Por isso, fui trabalhar atrás das câmeras. Fui contra-regra, assistente de estúdio, todas essas coisas. Eu produzia sete programas por semana, trabalhava pra caralho. Fazia A Hora e a Vez da Mulher com a Vida Alves, Os Poderes Fantásticos da Mente com o Rodolfo Mayer, Copa Nove com o Peirão de Castro...

Z- Mas continuou fazendo figuração?

CC- Sim. Eu tive uma participação até boa na novela Sangue do Meu Sangue com o Francisco Cuoco. Só que o personagem não era pra mim, era um fofoqueiro. Eu tive grandes dificuldades pra fazer o personagem, porque não entrava na minha cabeça fazer esse tipo de pessoa. A TV Excelsior faliu logo em seguida.

Z- E teatro quando você começou?

CC- Na mesma época. Eu produzia na Excelsior um programa pro Átila Iório e a Adélia Iório. Fiquei muito amigo do casal, eles me tratavam como se eu fosse filho deles. Eles me convidaram pra fazer A Irmandade dos Maridos Puros e comecei a ganhar mais tarimba. Nesse trabalho, eu conheci uma menina chamada Regiane Ritter, radialista e que foi a minha primeira mulher. Nós passamos a morar juntos. Ela era mais velha que eu e me levou pra conhecer o Roberto Mauro.

Z- E aí surgiu a oportunidade de começar no cinema?

CC- Sim. O Roberto estava começando a produção do filme As Mulheres Amam Por Conveniência. Ele gostou de mim e falou: “Você é gente fina Cláudio. Você vai fazer o Ricardo, o vilão da história”. A Regiane me ensinou os primeiros macetes, as primeiras coisas. Foi uma professora em todos os sentidos (risos).

Z- E a novela Meu Pedacinho de Chão?

CC- Foi nessa mesma época. Eu fiquei bastante conhecido por causa do meu personagem nessa novela. Eu fazia parte da dupla cômica da novela com o Canarinho, éramos Isidoro e Rodapé. Ele baixinho sempre me passando pra trás e eu grandão, bem bobo. Eu era apaixonado pela mulher do Maurício do Valle. Era uma novela da TV Cultura. Mas o sucesso foi muito grande. Então, a Globo comprou os direitos. Portanto, a novela passava ao mesmo tempo em duas emissoras, quatro vezes ao dia. Uma puta audiência. Nessa época, eu conheci um japonês bem picareta de uma agência de formação pra atores. Ele queria que eu desse uma palestra sobre atuação: “Vai lá na minha agência, eu te dou um cachê”. Eu estava começando, estava aprendendo ainda, não tinha muita experiência. Mas mesmo assim fui no evento do japonês. Foi lá que eu conheci o cara que seria o meu primeiro produtor de um roteiro meu.

Z- Como foi isso?

CC- No evento, eu fiquei deslumbrado por um sujeito que estava fotografando a palestra. O cara tinha uma baita máquina Nikkon profissional, bastante cara na época. O organizador me falou: “O fotógrafo é o Pedro Faus. Ele tem grana que não acaba mais”. Eu já conhecia na Boca os caminhos pra realizar um filme. Você precisava de um produtor, um mecenas. O Roberto Mauro vivia com o Cardoso, que tinha uma rede de lojas bastante grande. Então, eu percebi que a minha chance estava chegando. Me apresentaram a ele, o Pedrinho era um garotão, tinha dezoito anos. Ficamos conversando e ele me convidou pra ir um dia jantar na casa dele.

Z- Que devia ser uma mansão...

CC- Era uma mansão mesmo. Ficava no Jardim América, ele tinha modormo, empregados, tudo. Ele era um maníaco por fotografias, um sujeito bem enjoado. Cheguei nele: “Pedrinho, se você gosta tanto de fotografia por que você não produz um filme?”. Ele ficou espantado: “Mas quanto custa?”. Eu falei: “Posso fazer um argumento”. Eu sabia o que eu tinha aprendido com o Roberto, com o Tony Vieira. Sabia somente as coisas das conversas, eu já freqüentava a Boca. Não tinha muita experiência. Falei pro Pedrinho: “Vou trabalhar numa idéia e te trago amanhã”. Na época, eu tinha visto O Super Macho com o Lando Buzzanca, que fazia filas nos cinemas. Baseado nesse filme, eu bolei a história do O Poderoso Machão. Num momento, o personagem principal está olhando a noiva dele trocar de roupa pelo buraco da fechadura. Quando a menina abaixa a calcinha, ele desmaia e o órgão dele fica duro e não abaixa mais. Inclusive, eu botei o nome do personagem de Horácio. Esse era o nome do meu pai, ele andava com umas amantes, essas coisas todas. Levei o roteiro pro Pedrinho e ele gostou bastante, mas faltava fazer o orçamento. Entrei em contato com o Roberto Mauro: “Achei um cara pra produzir”. O Roberto andava numa merda desgraçada (risos), bastante endividado. Ele me falou: “Setenta mil cruzeiros a gente faz o filme”. Eu falei: “Vou pedir cem, assim eu caso e você paga as suas dívidas”. Voltei a falar com o Pedrinho: “Cem mil a gente faz o filme. Só que eu ainda não estou preparado pra dirigir. Por isso, eu vou chamar o Roberto Mauro, que tem experiência”. O Pedrinho tinha me dado confiança total no negócio e deu o dinheiro que a gente pediu.

Z- Mas o Pedrinho conheceu o Roberto?

CC- Esse foi um problema (risos). Eu falei pro Roberto: “Bicho, o cara vai produzir teu filme e quer te conhecer”. Ele me falou: “Tenho medo de estragar tudo. Só vou no dia de assinar o contrato” (risos). Marcamos o dia de acertar o contrato no Viaduto do Chá e o Roberto com o cu na mão: “Eu não vou subir”. Falei: “Porra bicho, tem que subir pra gente assinar. Vamos receber o cheque”. O Pedrinho era dono do andar inteiro do prédio, ele tinha muita grana mesmo. Quando subimos, um puta dum escritório, cheio de funcionário e a secretária: “Seu Pedro Faus não está. Mas o advogado dele está esperando vocês”. Tempo depois, chegou o advogado, fechou o contrato, ganhamos o cheque e fomos fazer o roteiro. Logo depois fomos no banco, o Roberto ficou com dez mil, eu com outros dez. Eu casei com essa grana e o Roberto pagou todas as dívidas dele.

Z- O roteiro estava pronto?

CC- Não. Nós pegamos o Sílvio de Abreu, ele fez junto comigo o roteiro. Mas ele me falou: “Você tira o meu nome que eu estou indo pra Globo e pode pegar mal”. Inclusive, o roteiro tem muita coisa dele e o resultado foi muito bom. Foi feito sem dinheiro, mas é muito decente. Tinha Castro Gonzaga, Lídia Costa, um elenco interessante. Nesse filme também nós lançamos a Matilde Mastrangi...

Z- Onde vocês tinham visto ela?


CC- Não me lembro. Filmamos em Capivari, com parceria da prefeitura. Nós mudamos a vida da cidade. O prefeito falou com a gente: “Vocês deviam estar estado aqui há dez anos atrás”. O filme ficou preso na Censura durante um ano preso. Depois, o Pedro Faus ficou aborrecido com a gente e arrumamos uma pessoa pra comprar a parte dele.

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