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Dossiê Cláudio Cunha

Entrevista com Cláudio Cunha

Parte 2 - Os filmes que Cláudio Cunha dirigiu

Por Matheus Trunk

O CLUBE DAS INFIÉIS (1974)

Z- Quem produziu o Clube das Infiéis?

CC- Um amigo meu bancou, o Carlinhos Duque. Ele era meu amigo de infância e tinha uma rede de postos de gasolina. Foi minha primeira direção...

Z- Você se sentiu inseguro no set?

CC- Não. Eu já sabia o que queria. Tinha participado de todas as fases do roteiro com o Marcos Rey. Ele foi o roteirista do filme. Bebemos muito whisky fazendo esse filme (risos). Então, eu já estava sabendo o que queria.

Z- O Clube das Infiéis que não é tão forte como os outros. Você considera ele sua faculdade de cinema?

CC- Foi o meu aprendizado. Foi o meu vestibular prático de cinema, feito com pouquíssimo dinheiro. Filmamos em Campos do Jordão, uma cidade turística e cheia de hotéis. As atrizes foram todas lançadas por mim: Helena Ramos, Aldine Müller...O Tony Tornado também foi lançado como ator nesse filme.

Z- Na época, ele namorava a Arlete Salles?

CC- Sim, já tinha apontado pra várias (risos). Ele tinha se jogado em cima de uma fã em Guarapari e quebrado a fã todinha (risos). O Tony é um cara genial, fantástico. Foi ótimo ter trabalhado com ele.

Z- O restante do elenco tinha alguma experiência em televisão...

CC- Sim. Ali era um pessoal de humor que estavam encostados nas redes de televisão como Kleber Afonso, Analy Alvarez...

Z- O roteiro também é bem baseado nos filmes italianos.

CC- Bastante. O Marcos Rey escreveu em cima dos filmes da época. E aquelas coisas italianas estavam na moda, o público gostava daquilo.

Z- Mas nos teus filmes seguintes a gente já percebe outra estética, outra pegada.

CC- Sim. O Clube das Infiéis foi realmente uma comédia que seguia a rotina dos filmes italianos da época, aquela coisa.

O DIA EM QUE O SANTO PECOU (1975)


Z- Como o Benedito te chamou pra dirigir O Dia Em Que o Santo Pecou?

CC- Ele tinha visto O Clube das Infiéis e tinha gostado do resultado. Ele me falou: “Se você faz um filme desses com um roteiro do Marcos Rey, imagina com um roteiro meu”. O Dionísio Azevedo ficou muito chateado, porque ele também era cotado pra dirigir O Dia Em Que o Santo Pecou. Ele acabou integrando o elenco do filme.

Z- Uma baita responsabilidade pra você, um novato dirigir um veterano como ele.

CC- Sim. E eu estava dirigindo também o Maurício do Valle, que era bem mais experiente que eu. Mas foi maravilhoso, os dois curtiram muito o trabalho.

Z- E as críticas da época sobre o filme são extremamente positivas...

CC- Poxa, é baseado num fato real, sobre um santo que tinha naquela região. É um filme muito legal. Aliás, você como cinéfilo tem que falar no O Dia Que o Santo Pecou. Todo mundo quer ver esse filme. Poxa, um filme de época feito com poucos recursos.

Z- E como foi dirigir a Selma Egrei?

CC- Excelente profissional, uma atriz muito séria.

Z- Mas o Dionísio você já conhecia há muito tempo?

CC- Sim. Eu conheci ele na Excelsior. Inclusive, existe uma história entre nós que precisa ser lembrada. Tempos depois da Excelsior, ele estava sendo diretor na Record. Várias vezes eu chegava nele: “Dio, tem algum papel pra mim?”. Ele falava: “Calma, alguma hora vai ter”. Um dia ele chegou e falou: “Tem um negócio pra você. Você vai fazer o modormo da casa da Amália Rodrigues”. Isso foi na novela As Pupilas do Senhor Reitor. Fiquei bastante animado. Fui no alfaiate, tiraram as medidas das roupas e contei pra minha mãe. Ela ficou bastante animada e falou pra todo mundo no bairro: “O Cláudio vai estar na novela” Aquelas coisas de mãe. Porra, chego no dia da gravação e eu já devidamente vestido de modormo. Dionísio passava por mim e não falava absolutamente nada. De repente, eu vejo o Rony Rios com a roupa igualzinho a minha. Cheguei no Dio e falei: “O que está acontecendo?”. Ele me chamava de Baixo: “Baixo, vai ter que ficar pra próxima”. Eu falei: “Pô bicho, o que é isso? Minha mãe falou pra todo mundo que eu vou fazer a novela. Como você me apronta uma dessas?”. Caralho, eu fui pra aquele bar do lado da TV Record e eu não conseguia parar de chorar...

Z- Esse foi o seu único trabalho como diretor contratado. Isso te incomodou?

CC- Me incomoda o fato de eu não ter os direitos do filme. Eu já falei várias vezes com o Ruy: “Poxa, vamos vender esse filme pro Canal Brasil pra ser uma chance pra gente remasterizar o negativo”. Mas o Ruy depois da TV Globo mudou muito. Aliás, a TV Globo muda muito as pessoas. Os caras começam a se achar donos do mundo. O Ruy me falou: “O Canal Brasil paga uma merda, não quero”. Respondi pra ele: “Você está muito empolgado com a televisão. O cinema é que vai te imortalizar. Pantanal, Rei do Gado, pessoal vai apagar essa merda e ninguém vai saber o que é isso. Só o cinema fica”. Acho que ele ficou mais nervoso comigo. Nós já tínhamos um problema que várias vezes eu falei com ele: “Me coloca na Globo”. Um dia ele me ligou. Eu estava morando no Guarujá nessa época, fui quando eu casei com a Melissa, minha ex-mulher. Um belo dia o Ruy ligou pra minha mãe: “Fala pro Cláudio que ele está na novela, no O Rei do Gado”. Eu já tinha conversado com o Ruy na casa dele, ele prometendo que eu estaria de qualquer maneira na novela. No fim, eu não entrei na novela, vendi minha residência no Guarujá e literalmente torrei a casa. Ainda não sei o motivo dele não ter me colocado na novela. De repente, eu senti que ele se afastou de mim, passou a me evitar.

Z- Você e o Ruy foram amigos?

CC- Bastante. O Imperial chegava pra mim e falava: “Por que você só anda pendurado com esse babaca. Ele só sabe falar no São Paulo, no Laudo Natel”. O Imperial tinha inveja da minha amizade do Ruy. Eu falava: “Ele é um cara legal”. Eu andei muito com o Ruy, ele acompanhou as filmagens do Sábado Alucinante no Rio de Janeiro. O Ruy foi pra Globo e virou a cabeça. Mas isso é normal. Eu já passei a ser o cara da pornochanchada, do Oh Rebuceteio!. Antes desse filme eu tinha feito Amada Amante com roteiro dele, Sábado Alucinante. Tinha dirigido um filme dele pra ele.

Z- Você acha que incomodava pra ele o fato de você ter feito um filme de sexo explícito?

CC- Incomodava. Eu acho que Oh Rebuceteio! foi muito forte pra cabeça dele. Ele é uma pessoa bastante religiosa, careta. Eu acho que Rebuceteio queimou meu filme com ele. Não sei se isso foi pressão da família. Quando eu freqüentava a casa dele, eu era casado e ia com a minha mulher. De repente, eu fiquei desquitado. Você passa a ser encarado como o cara desquitado que vai levar o cara pra farra (risos). Inclusive eu lancei a mulher dele, a Marinele como atriz no O Dia Em Que o Santo Pecou contra a vontade dele. O Ruy se afastou de mim e alguma coisa aconteceu. Eu não sei o que foi, mas ele nunca teve a franqueza de chegar pra mim e falar o motivo. Era uma amizade boa. A gente vinha do Rio pra São Paulo cantando musiquinha de sacanagem, fazendo brincadeira. Eu senti muito porque eu sempre vi no Ruy um pai. Ele foi o primeiro cara a me dar um papel interessante em novela no Meu Pedacinho de Chão. Depois me convidou pra fazer O Dia Em Que o Santo Pecou. Isso me deu um grande prestígio na Boca. Ele fez pra mim o roteiro do Amada Amante, do Sábado Alucinante. O Profissão: Mulher ele ficou meio puto porque ele escreveu um roteiro e eu optei por outra coisa. Mas ficou uma coisa que me magoou muito porque eu apreciava a amizade e a companhia dele. O autor carrega sua solidão. Então, várias vezes eu ficava ouvindo as histórias dele e de repente essa amizade morreu. Eu queria ter os diretos do O Dia Em Que o Santo Pecou em DVD. Uma vez ele falou: “Porra, você ficou rico com o Amada Amante e eu não ganhei praticamente nada pra escrever aquele roteiro”. Eu fiquei nervoso e falei: “Então, fica com a minha parte do O Dia Que o Santo Pecou pra você”. Eu tinha 10% do filme e hoje não tenho nada. Dirigi o filme pra ele de graça e foi um ano de trabalho com poucos recursos e fizemos um trabalho decente, digno.

Z- Nesse filme você trabalha com dois atores que voltaria a trabalhar em diversos filmes seus: o Maurício do Valle e o Canarinho.

CC- Em vários. O Maurício era uma pessoa de um carinho muito grande, bem humilde. Ele me chamava de Pezão. Ele falava: “Cara, eu tenho um negócio difícil pra novela amanhã. Tem como você passar o texto comigo?”. Ele ficava preocupado e muitas vezes eu cansei de passar o texto com ele. O Canarinho foi o meu professor, meu mestre, meu guru. Nós tínhamos terminado o Meu Pedacinho de Chão e nós fizemos a dupla Isidoro e Rodapé no circo também. Depois, eu passei a dirigir cinema e passei a chamá-lo. Eu já era fã dele. Dirigi ele no Snuff, O Dia Em Que o Santo Pecou, Sábado Alucinante. Se tornou um parceiro.

Z- E sempre um cara humilde.

CC- Humilde, amigo, alto astral. Ele é um personagem inesquecível, sempre te aconselhando. Muito legal. Ele sempre foi um astro, uma pessoa muito querida mesmo. Eu devo as minhas homenagens a ele.

SNUFF, VÍTIMAS DO PRAZER (1977)

Z- Como surgiu a idéia de fazer o Snuff?

CC- O Reichenbach me falou sobre uma reportagem sobre esse filmes snuff...

Z- O Carlão você conheceu na Boca mesmo?

CC- Na Boca. A gente trocava muita idéia, conversava bastante. Mas o Carlão é daquele tipo cinéfilo, que entra num cinema e entra em outro no mesmo dia. Isso eu nunca fui. Um dia eu saí com ele vimos um filme e depois fomos em outro. Ele ainda queria ver um terceiro. Foi a última vez que eu saí com o Reichenbach (risos). Eu sempre gostei de ver um bom filme, mas nunca foi fanático. Eu queria fazer o meu segundo filme e o Carlão me falou dessa reportagem dos filmes snuff: “É genial cara, é sobre as fitas clandestinas. Eu acho que dá um bom roteiro”. Escrevemos junto num escritório dum cara da Boca que vendia magnético. Ele tinha um escritório grande e cedeu uma sala pra gente trabalhar. Assim surgiu o Snuff, Vítimas do Prazer.

Z- O Snuff é o último trabalho do Hugo Bidet.

CC- Sim. O Hugo Bidet queria se matar durante as filmagens. Eu pedia pra ele: “Pelo amor de Deus, pára com isso”.

Z- Mas ele tinha algum motivo pra isso?

CC- Ele era bem depressivo, entrava numas fossas. O Hugo estava de saco cheio da vida. Eu não sabia se era onda dele, se era charme mas não queria arriscar porque eu queria terminar o filme. Falei pra ele: “Bicho, então toda noite você vai tomar comigo um litro de vinho”. Era algo sagrado entre a gente.

Z- Mas como ele era no set?


CC- Tranqüilo, um cara brincalhão. Ele tinha epilepsia. Um dia a gente estava filmando e de repente ele caiu, babou. Tivemos que enfiar a mão na língua dele, ele enrolou a língua, deu o maior trabalho. De noite, ele estava bêbado. Eu falei pra ele: “Poxa Hugo, me ajude. Eu estou investindo todo meu dinheiro nesse filme”.

Z- Você conheceu o Hugo pelo Imperial?

CC- Sim. O Imperial me dizia: “Os meus amigos não tem defeito. Os meus inimigos eu invento”. Para o Snuff, o “rei da pilantragem” me fez duas indicações: o Bidet e o Vereza. O Vereza estava recém- separado e ficava tocando flauta o dia inteiro. E o Bidet querendo se matar...Foi foda.

Z- E o Fernando Reski? Você trabalhou com ele em vários filmes.

CC- Eu sempre achei o Reski um canastrão que funcionava bem. Ele era um bom executor. Tem atores que tem boa intuição e executam mal. Tem atores que não tem grande intuição, mas executam muito bem. Esses são os melhores pra se trabalhar em cinema.

AMADA AMANTE (1978)

Z- Cláudio, vamos falar do Amada Amante. Como você decidiu fazer aquele filme?

CC- Depois do Snuff, eu queria fazer um filme no Rio de Janeiro. Amada Amante é bem isso. Apesar do roteiro ser do Ruy, o argumento é bem as minhas impressões do cara descobrindo o Rio de Janeiro. É uma história de uma família...

Z- Por que você quis fazer um filme sobre uma família do interior?


CC- O argumento eu fiz com o Ruy e ele que elaborou todo o roteiro. Ele é um cara criativo, um grande escritor. Por isso, eu deixei ele fazer e ele me entregou tudo e eu parti pra filmagem. A idéia do Amada Amante era contar uma boa história, era isso. Eu gostava bastante da história. Só me faltou dinheiro no final pra fazer o garoto de hare krista vendendo incenso no trânsito (risos). Eu queria fazer esse final, mas não tive grana pra isso. Mas seria genial...

Z- Eu sempre achei que o roteiro parece muito as coisas do Nelson Rodrigues. Vocês chegaram a pensar nisso?

CC- Não. Eu passei muitas coisas pro Ruy baseado nas coisas que eu vivia com o meu pai. O meu velho era um cara muito enérgico. O Ruy era um bom observador e conseguia transcrever esse tipo de coisa. O Augustinho parece muito com o meu pai. A minha mãe é muito daquela personagem da Neuza Amaral. Meu pai era como o cara do filme: severo em casa e quando a gente descobriu uma amante dele, a casa caiu. Então, eu acredito que o Ruy tenha muito absorvido essas minhas coisas e botou no roteiro. Quando eu fui escolher o elenco procurei uma pessoa que lembrava meu pai.

Z- Curioso. Porque são dois filmes seus com traços da sua vivência pessoal, porque O Gosto do Pecado tem muito isso.

CC- Sim. O Amada Amante tem muito a fase da separação do meu pai com a minha mãe. A minha mãe descobrindo os amantes do meu velho. Na vida real, a minha mãe era muito aquela mulher do filme. Uma vez uma das minhas namoradas contou pra minha mãe que eu queria comer a bundinha dela e a minha mãe ficou escandalizada (risos). Falou pra mim: “Como você quer uma coisa dessas?”. Minha mãe ficou escandalizada.

Z- O elenco do Amada Amante é muito bom.

CC- Sim, foi surpreendente. Eu sempre fui um bom diretor de atores. Acabo dirigindo muito ator e mesmo com os medalhões eu faço questão de trabalhar. Sempre gostei de lapidar atores, trabalhar vários detalhes dos personagens.

Z- Como era trabalhar com a Sandra Bréa?


CC- Maravilhosa. Ela era uma pessoa muito extrovertida, divertida, brincalhona. A Sandra não parecia em nada com a personagem do Amada Amante,. Na vida real, ela sempre foi uma vamp, uma mulher glamourosa. Não tinha nada haver com a garota recatada de interior que nunca foi beijada. Mas ela está muito bem e fez legal. Mas na época, ela já era uma pessoa problemática, tomava muito remédio. Um dia na bolsa dela eu achei um calmante forte e um vidrinho de whisky. No Amada Amante ela me deu uns probleminhas na parte da dublagem. Eu pagando um estúdio caríssimo no Rio de Janeiro e ela ficava brincando e não fazia a dublagem. Por isso, chamei uma dubladora para fazer a voz dela. Ela ficou muito chateada, mas eu tive o cuidado de achar uma dubladora que tinha a voz muito parecida com a dela.

Z- E o Luiz Gustavo?

CC- Muito gente boa. Inclusive, na época das filmagens ele estava passando por alguns problemas de ordem pessoal, mas foi um cara muito tranqüilo de se trabalhar.

Z- Você é um cara de São Paulo. De onde vem essa vontade de fazer um filme no Rio?

CC- Eu achava que os cariocas tinham maior prestígio na crítica e na imprensa especializada. Quando o filme vinha do Rio, eles abriam mais espaço. Nós da Boca sempre fomos os primos pobres (risos). Mas eu também achava a cidade muito bonita, tinha uma cenografia natural. Por isso, eu fiz depois eu dois filmes seguidos no Rio: Amada Amante e Sábado Alucinante.

Z- Como foi a sua briga com a família Barreto?

CC- Eu tinha registrado o título Amada Amante na Biblioteca Nacional. Ignorando o direito do meu registro, eles foram em cima do Roberto Carlos e compraram os direitos da música Amada Amante. O Bruno Barreto queria fazer um filme com o mesmo título que o meu. No Rio de Janeiro, ao mesmo tempo tinham duas equipes fazendo o Amada Amante: eu e o Bruno Barreto. Poxa, a gente pegava as quentinhas no mesmo restaurante inclusive (risos). Porém, somente eu tinha o título na Biblioteca Nacional. A imprensa já estava falando: “Dois filmes com o mesmo título”.

Z- Mas a imprensa deu mais voz pro Bruno.

CC- Lógico, ele era do Rio de Janeiro. O elenco me pressionando: “Mas o Bruno também está fazendo Amada Amante”. O Bruno Barreto deu uma entrevista pro Última Hora falando que eu era um gangster da Boca do Lixo. Eu entrei com um processo em cima dele e ele teve que se retratar no mesmo jornal. Na Justiça, eu acabei ganhando porque eu tinha o título registrado. O filme dele entrou como Amor Bandido e é engraçado porque toca a música Amada Amante. No trailer do meu filme, eu coloquei todas as manchetes: “Amada Amante. Um filme de Cláudio Cunha ou Bruno Barreto?”. No fim, a polêmica acabou colaborando no sucesso comercial da fita. Snuff, Vítimas do Prazer foi meu primeiro sucesso. Mas Amada Amante foi fantástico...

Z- Foi o teu filme que mais te deu bilheteria?

CC- Sim, foi um estouro. Foram mais de seis milhões de espectadores...

SÁBADO ALUCINANTE (1979)

Z- Você fez o Sábado baseado na onda da discoteca?

CC- Sim. Eu aproveitei aquela onda dos Embalos de Sábado á Noite, John Travolta. Creio que é o meu filme mais otimista, mais pra cima. Hoje, se eu botasse ele na moviola, eu tiraria algumas partes para lançar novamente. Mas hoje o público é outro. O público daquela época você tinha que dar um tempo maior, inclusive pra eles entenderem o filme. A televisão e as novelas acostumaram o público a uma outra linguagem.

Z- Mas como você falou, o público de pornochanchada era outro.

CC- Nós fazíamos cinema pro cara que trabalhava no metrô, que construía a ponte Rio Niterói. Eles iam ver nossos filmes porque não sabiam ler ou não tinham agilidade pra acompanhar coisas muito indiretas. Esse era o nosso público. Pra eles, você tinha que contar a história direitinho, com muito cuidado.

Z- No Sábado Alucinante você trabalha com um ator muito bom que é o Rodolfo Arena. Como era dirigir ele?

CC- Muito bom. Um cara muito humilde, legal. Um ator muito preocupado com o papel. Aquela situação do garçom tentando dar o seu golpe de mestre, muito boa essa situação. Foi ótimo ter trabalhado com uma pessoa como ele.

O GOSTO DO PECADO (1980)

Z- O Gosto do Pecado é muito parecido com os filmes do Khouri. Você chegou a pensar nisso?

CC- Cara, pra te falar a verdade eu achava os filmes do Khouri muito chatos. Eu achava entediante aquelas coisas, muito Bergman. Ele era de outra linha, mas eu admirava muito ele. O Khouri foi minha babá. Quando eu me separei da Liliane, ele ficava todo dia no meu apartamento em frente ao Gigetto. Eu estava numa crise e ele foi um excelente amigo, um cara maravilhoso. Mas eu nunca fui fã dele, mas achava bonito os filmes. A primeira coisa que eu fiz no meio artístico foi uma figuração no Noite Vazia.

Z- Como foi isso?


CC- O Marcos Rossi, assistente de produção morava na Vila Guilherme. Ele levou a gente pra fazer uma figuração, mas eu nem cheguei a conversar com o Khouri. Ficamos mais próximos depois.

Z- O Gosto do Pecado é o seu filme mais pessoal?

CC- Sim, eu acho bem pessoal.

Z- Tem uma cena com a Ana Maria Kreisler que é incrível...

CC- Ah, essa situação do protagonista realmente aconteceu comigo. Foi um lance meu que eu botei no filme. Ele começa a chamar ela pelo nome da mulher, essas coisas. Muito bonito isso. Eu gosto muito dessa cena.

Z- E a Ana Maria como foi trabalhar com ela?

CC- Maravilhosa. Inclusive fez contato comigo agora pedindo as cópias dos filmes.

Z- Você fez O Gosto do Pecado num período tumultuado?

CC- Sim, é bem aquilo. Lógico que entrou a ficção, mas muitas coisas lá são pessoais minhas.

Z- Como foi trabalhar com o Jardel Mello?

CC- Ótimo. Ele ficou constrangido de trabalhar com a mulher do diretor. Isso também aconteceu com o Cláudio Marzo. Ele me falou: “Cara, não estou conseguindo beijar a sua mulher” (risos). Tem uma cena do Profissão: Mulher que o Cláudio está com a camisa encharcada. Ele me falou: “Poxa cara, eu estou aqui com a sua esposa”. Eu falei: “Relaxa, isso é um filme, uma brincadeira”.

Z- É verdade que você chegou a pensar em você mesmo fazer o personagem do Jardel?

CC- Sim. Mas no cinema eu sempre me realizei como diretor. Ator era algo em segundo plano. Por isso, acabei chamando outro ator pra fazer esse papel. Mas o Jardel fez muito bem e fiquei satisfeito com o desempenho dele.

Z- O John Herbert também está muito bem. Como foi dirigi-lo?


CC- Ótimo. Excelente como canastrão. Ele é um ator que funciona completamente, é aquilo ali que você vê no filme. Você não espera maravilhas dele, mas ele faz um trabalho muito correto.

Z- E a Alba Valéria?

CC- Boa atriz. Eu era muito amigo do marido dela, o Victor di Mello. Inclusive eu comprei o meu primeiro cavalo por causa dele.

Z- Você investiu uma grana em cavalo de corrida?

CC- Sim, perdi muito dinheiro em cavalo de corrida. Isso foi graças ao Victor di Mello, ele me botou no negócio. Me lembro que meu primeiro cavalo se chamava Escrito. Naquele tempo, eu era casado com a Simone e ele vivia com a Alba. Eu ia na casa dele, ele vinha na minha. Éramos bem próximos.

Z- O Victor também tentava fazer filmes diferenciados.

CC- Sim. Ele tinha feito o Giselle e eu tinha gostado do desempenho da Alba na fita. A Maria Lucia Dahl eu também chamei após ver o Giselle.

PROFISSÃO: MULHER (1982)

Z- Você gosta do Profissão:Mulher?

CC- Bicho, é o meu filme que eu menos gosto...

Z- Você acha um filme feminista?

CC- Não. O Sábado Alucinante é um filme que eu conto várias histórias, mas elas estão bem entrelaçadas. Creio que o Profissão: Mulher a idéia de terminar uma história e começar outra foi infeliz. Ficou muito episódico, não tem protagonista. Ficou muito fracionado, sem uma espinha dorsal. O Amada Amante tem várias histórias, mas ele tem uma espinha dorsal melhor.

Z- O filme é baseado no livro de contos O Animal das Motéis da escritora Márcia Denser. Como você conheceu essa obra?

CC- Na verdade, eu queria um trabalho sobre a mulher, a mulher pós pílula, liberada. Eu pensei em fazer sobre quatro mulheres morando um apartamento com um homossexual e a história deles. Mas depois não deu muito certo. A Márcia na vida real é como a personagem da Patrícia. Inclusive eu caracterizei a Patrícia como a Márcia, de peruca. Foi inclusive uma piada minha com ela, a intelectual.

Z- Como foi fazer aquela cena com a Marlene?

CC- Foi complicadíssimo. Ela chorou fazendo a cena. A Marlene me falou: “Eu não posso fazer isso. Eu sou a rainha do rádio. Meu fã-clube jamais vai me perdoar”. Isso foi na cama, na hora de fazer a cena. Eu falei: “Nessa altura dos acontecimentos você me fala isso? Você está fazendo um trabalho ótimo”. Depois, ela acabou topando e fez muito bem a cena.

Z- Como você chegou nela? Porque ela já estava meio afastada da mídia.

CC- Nem sei...eu gostava da figura dela. Eu conversava com a Márcia Denser. Quando ela me descreveu essa personagem pela primeira vez, eu pensei na Marlene. Eu tinha visto uma peça com a Marlene e achava ela uma atriz legal. Quando eu fui convidar ela pra fazer o filme a Simone estava cheia de jóias e ela foi assaltada na porta da casa da Marlene (risos). Ela ficou depenada, sem jóias. Mas a Marlene foi uma grande aquisição para o filme.

Z- A Patrícia está ótima no filme também.

CC- A Patrícia eu gostava do trabalho dela na Boca. Realmente ela dá um show...inclusive contracenando com o Otávio Augusto. Eu acho essa uma das melhores histórias do filme.

Z- Tem a famosa dela com a Simone. Foi difícil fazer essa cena?

CC- Nesse filme, eu queria mostrar a mulher pós pílula. Eu queria mostrar o preço que a mulher estava pagando pelo preço da liberdade. Nas histórias, todas as mulheres estão fudidas. As personagens da Patrícia e da Simone vão encontrar a solução no amor marginal, de uma pela outra. Isso é quando elas descobrem várias afinidades na cena final. Foi ótimo, as duas já tinham grande entrosamento.

OH! REBUCETEIO (1984)

Z- Dos seus filmes qual é o preferido?


CC- Olha, eu gosto do Oh! Rebuceteio. Um filme que eu acho bem pessoal. Eu sou muito parecido com o Nenê Garcia. Foi um trabalho em que eu me coloquei. Eu era como ele, um operário, um cara que quer fazer um negócio legal, que está procurando algo melhor.

Z- Esse personagem acaba sendo um deboche com a classe teatral mais elitizada inclusive.

CC- Sim. Eu gosto muito desse filme por tudo e não me arrependo de ter feito ele. É um filme que pode ter me prejudicado, mas mesmo assim eu gosto muito dele.

Z- Quando você foi fazer o Oh! Rebuceteio você tinha idéia de só fazer um filme explícito?

CC- Eu entrei pra fazer só um. Nunca me interessou filme de sexo explícito...eu até criticava o gênero. Eu sabia que era um imediatismo que ia acabar com a gente. Por exemplo, os filmes que a gente fez é o que o cinema americano está fazendo trinta anos depois. Se você pegar Sexo, Mentiras e Videotaipe, Proposta Indecente, Nove Semanas e Meia de Amor é tudo que a gente fazia na Boca. Só tem mais produção. Era o mesmo tipo de filme que a gente fazia, eles aprenderam com a gente (risos). Com o sexo explícito, os nossos filmes ficaram em cima do muro. O exibidor falava: “O pessoal quer ver os órgãos sexuais”. Na época, eu falei com uns produtores alemães quando eu fui vender o Oh! Rebuceteio, mas eles queriam trabalhos de outro nível. Eles me falaram: “Tá muito leve. Tem que ter ejaculação”. Eu pensava: “Onde vai parar isso?”.

Z- O Rebu é genial porque é um filme que não se leva a sério. É um deboche.


CC- Sim. Era que eu queria fazer na época. Eu queria tirar um sarro desses pseudointelectuais de teatro. Esses caras que chegam e falam muito bem, com dialética. Botei isso no meu personagem, no Nenê Garcia. Botei um cachimbo inclusive...porque na época o Antunes Filho usava cachimbo (risos). O próprio sexo é banalizado. Tem um momento que eu falo: “Corta! Quinze minutos pra um xixi” (risos). Então, é um filme bem brincalhão muito.

Z- Por que você fez esse filme?

CC- Eu fiz pra mostrar o que é pornô. Na verdade, o próprio pornô é um termo errado. Pornográfico é um estado de espírito...um filme não pode ser pornográfico e sim obsceno. Eu queria fazer um trabalho obsceno, mas tem uma história, uma brincadeira, um enredo. Quando eu fiz Oh! Rebuceteio, o próprio Roberto Buzzini, diretor de fotografia ficou apavorado: “Eu não vou assinar o filme”. Aí eu botei um pseudônimo no nome dele.

Z- E o Zé Rodrix que fez a trilha sonora?


CC- Eles curtiram, adoraram fazer. Viram o filme na moviola e vibravam.

Z- Dos filmes explícitos da Boca, eu acho Oh Rebuceteio! o melhor. Muita gente pensa isso também. O filme é inclusive vendido internacionalmente. Como você se sente com isso?

CC- Eu só fico chateado por essas vendas internacionais serem por cópias piratas. Eu não ganho nada com isso. Me sinto bem...apesar que esse filme tenha me marcado de forma negativa porque a classe artística é incrivelmente preconceituosa. Então, na época eu queria fazer carreira na Globo como ator. Fecharam as portas dos cinemas e eu queria ter uma chance na televisão. Eu era muito amigo do Paulo Ubiratan, ele era meu amigo de infância. Aliás, a TV Globo sempre teve um grande preconceito contra o pessoal da pornochanchada. O Mossy fez algo lá recentemente.

Z- O David fez algumas coisas lá.

CC- Sim. O David alguma coisinha, a Helena Ramos alguma coisa, eu também fiz alguma coisinha. Um dia o Carlos Imperial me falou: “Olha Cláudio, você nunca vai entrar na Globo. Eles não gostam dos produtores independentes. Eles querem cara de cabeça baixa, gente que faz não é do perfil deles”. Porque esses caras tem uma vida boa. É só pegar um texto com todas as condições. Porra, eu levo uma vida desgraçada. Amanhã vou com a peça de teatro pegar estrada pra Camboriú sem saber o que me espera...hotel, o caralho. Porra, é uma vida sacrificada...lógico que eu sonho com contrato na televisão, ter plano médico, ter toda estrutura pra eu fazer minha arte. Mas nunca me chamaram. Eu tenho ficha lá no departamento artístico, de vez em quando eu renovo. São todos meus amigos. Ás vezes eu pego as festas dos meus coquetéis e todo o pessoal da Globo estavam nos meus coquetéis. Eu não vou citar nomes, mas vários deles iam lá. Como produtor, eu sempre soube promover os filmes. Sábado Alucinante, por exemplo, eu fiz a Sandra Bréa chegar de Rolls- Royce em Copacabana com tapete vermelho e tudo. Estava toda a TV Globo lá. O coquetel da Amada Amante foi inesquecível. Foi feito aqui em São Paulo em um drive-in com a Sandra Bréa andando pelos carros. Então, todos esses diretores sabem muito bem que eu sou. Nas vezes que eu fui no Projac me bateram nas costas, mas não me chamam nem pra teste. Eu falo: “Deve ser alguma mágoa do passado”.

Z- Mas por exemplo, o Miziara fez filmes de sexo explícito e está há muitos anos no SBT.

CC- Sim. Eu também fiz participações no A Praça É Nossa. Mas eu não sei, a Globo se acha uma elite. Porra, eu dirigi um monte de atores globais: Otávio Augusto, Cláudio Marzo, Fábio Sabag que morreu agora, Sandra Bréa, Rogério Fróes. Lancei várias atrizes que estão na Globo, como a Mônica Carvalho. Ela começou comigo no teatro...mas não me chamam.

Z- Isso seria uma mágoa, Cláudio?

CC- Não, mágoa não. Eu não guardo mágoa.

Z- Uma frustração?


CC- Frustração talvez...Sabe, eu tenho duas filhas novas, uma de sete anos e outra de cinco anos. É lógico que a comodidade de um contrato com a Globo evitava de fazer essas viagens, ficando duas semanas sem ver elas. Eu acho que eu mereço. Sem falar que estou há 27 anos fazendo teatro. Levando espetáculos a pessoas que nunca viram teatro. Em alguns lugares, eu tive que escrever nos cartazes que a peça era ao vivo, para as pessoas entenderem que eu estaria ali pessoalmente. Então, um contratinho seria um prêmio, uma garantia de estabilidade.

Z- As suas peças são populares. É um humor popular como os seus filmes. A crítica te incomodou alguma vez?

CC- Eu sou um cara do subúrbio, da Vila Guilherme. A minha cultura é basicamente a minha vivência pessoal. Tudo que eu faço é com garra, sentimento. Isso até pra contar uma piada. Vou tentar contar a piada da melhor forma possível, eu sempre dependi do retorno do meu investimento. Eu vivo disso. Quando eu fazia cinema, eu queria saber o que o público estava querendo fazendo da melhor forma possível com a minha visão suburbana. Pra mim, crítica sempre foi um texto de leitura interessante. No cinema, é muito difícil você criticar um filme tendo visto ele uma única vez. Agora eu te pergunto: quantos críticos tem o bom senso de assistir uma segunda vez antes de escrever a crítica? Depende de flutuações de humor, saúde, tudo isso.

Z- Mas o rótulo pornochanchada te incomodava?

CC- Lógico que incomodava. Mas depois bicho, eu vi que isso era uma coisa que acabou ficando e hoje até falo que fiz pornochanchada. Mas na época, era difícil falar isso. O Dia Em Que o Santo Pecou era um filme pretensioso. Eu falei pro Benedito Ruy Barbosa: “Ruy vão chamar esse filme de pornochanchada”. Quando as críticas saíram, eles chamaram de pornô época (risos). Apesar que a maioria dos meus filmes tenham críticas excelentes. O Leon Cakoff, por exemplo fez uma crítica ótima do Amada Amante no O Estado de São Paulo. O Dia Que O Santo Pecou saiu legal na Veja; Snuff, Vítimas do Prazer também teve boas críticas. Então, de certa forma, eu posso dizer que muitos dos filmes conseguiram conciliar crítica e público. Uma coisa impossível na época e ainda mais num país como o Brasil.

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