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Dossiê Cláudio Cunha

Entrevista com Cláudio Cunha

Parte 3 - Cláudio como produtor e a Boca do Lixo

Por Matheus Trunk

Z- Além de diretor, você também foi produtor. Tinha muita rivalidade entre os outros produtores da época?

CC- Não tinha esse negócio de rivalidade. Só de um querer fazer seus filmes melhor que o outro. No fundo, éramos todos amigos.

Z- Como era o teu relacionamento com o Tony Vieira?

CC- Eu conheci o Tony Vieira quando nós fomos fazer Uma Pistola Para Djeca do Mazzaropi. Depois, acabei nem entrando no filme. Nós ficamos no mesmo quarto. Durante todos esses anos, ele sempre foi uma mesma pessoa. Um cara simples pra caralho...

Z- Você chegou a jogar bola no time dele?


CC- Não. Eu não sou bom de bola. Mas ele tinha um time de futebol sim, investia uma baita grana nisso. Mas isso era ele, o Gaiotti e outros caras.

Z- Por que muita gente da Boca perdeu o dinheiro que ganhou em cinema?

CC- Bicho, éramos todos novos ricos. Ninguém tinha habilidade pra administrar. O dinheiro que sobrava a gente comprava negativo. Então, quando sobrava algum dinheiro a gente chamava o cara da Kodak e deixava na Líder até a segunda ordem. De repente, alguém ia filmar e falava: “Tenho negativo. Fico com alguma parte no filme”. Assim fizemos Amor, Palavra Prostituta. O Carlão e eu éramos sócios.

Z- Na época da Boca, você era muito reconhecido na rua?


CC- Mais ou menos. Mas era bem tranqüilo, quase ninguém reconhecia. Quando eu lançava um filme, tentava fazer o máximo de programas na televisão. De vez em quando me falavam: “Você estava na Hebe?”.

Z- Ser produtor e diretor ao mesmo tempo é muito complicado? Qual é mais complicado?

CC- Bastante. Quando você está fazendo um filme, você não pode viajar. Tem que controlar as latas de negativo, essas coisas todas. Sendo diretor e produtor você não pode brigar com você mesmo (risos). Você está sempre em conflito...

Z- Você produziu filmes de três outros diretores: Ody Fraga, Jean Garrett e do Castellini. Qual foi mais difícil de lidar?

CC- Todos foram tranqüilos. Fiz dois filmes com o Jean, um com o Ody e um com o Castellini. O do Castellini deu mais trabalho e eu tive que terminar a montagem do filme. Aconteceu qualquer coisa na época e ele não quis terminar o trabalho. Mas de certa forma, não houve grandes problemas.

Z- Você como produtor tinha consciência que você era roubado pelos exibidores?

CC- Sim. Todos os produtores da época sabiam que estavam sendo roubados. A gente não tinha como controlar as bilheterias.

Z- Você tentou botar fiscais como o Mazzaropi?

CC- Botei no Sábado Alucinante. Quando o filme estava sendo lançado, eu peguei uma greve de professoras. Por isso, convoquei diversas delas e formei um time de fiscais que os exibidores apelidaram das “sapatões do Cláudio Cunha”. Cada professora viajava com uma cópia minha.

Z- Como você conheceu o Ody Fraga?


CC- Ody era o nosso intelectual. Ele sempre tinha uma coisa mordaz pra falar e uma língua bem ferida. Um humor caústico...era um líder nosso, o intelectual da Boca. Eu conheci ele lá. Quando eu produzi A Dama da Zona que é um argumento meu, chamei ele pra dirigir. Esse filme tem uma história engraçada. Quando eu tinha acabado o Sábado Alucinante, o Massaini produziu Embalos Alucinantes. Eu fiquei puto...O pai dele estava preparando O Caçador de Esmeraldas, que demorou muito tempo pra ficar pronto. Chamei o Ody e falei: “Cara, vamos fazer O Caçador da Esmeralda? Uma história de um português que quer comer uma mulata chamada Esmeralda”. Ele fez o roteiro, colocou aquela coisa do Bixiga. Como eu tinha feito o Sábado Alucinante, pedi que ele botasse uma gafieira. As cenas da gafieira fui eu que dirigi.

Z- Mas você fez as pazes com o Massaini depois?

CC- Sim. Depois o velho Massaini me falou: “Por favor, muda o título”. A Cinedistri tinha distribuído O Dia Em Que o Santo Pecou e nessa época eu ia quase todo final de dia tomar um whisky com o velho.

Z- Pô Cláudio, você tinha moral na época.

CC- Tinha moral. Ficar no final da noite bebendo vinho com o velho Massaini era um privilégio. Então, eu tinha tido um bom contato com o velho. E por isso, eu mudei o título. O Neville tinha feito A Dama do Lotação que tinha feito um grande público. Eu botei A Dama da Zona e lançamos o filme.

Z- E deu uma bilheteria legal.


CC- Sim.

Z- No A Dama da Zona tem uma parte que tem uns personagens que são diretores que querem fazer filme social, Cinema Novo. No final do filme, eles acabam fazendo um filme pornô. Isso é uma coisa sua ou do Ody?

CC- Ah, do Ody. Ele tinha essas coisas...

Z- Trabalhar num lugar denominado Boca do Lixo te incomodava?

CC- Não. A gente sabia que ali era uma posição de cinema. Em todos os lugares do mundo as bocas de cinema são perto das rodoviárias e perto da prostituição. Então, o cinema sempre se estabelece nesse tipo de lugar.

Z- Como era a relação do pessoal de cinema da Boca com a marginalidade da época?

CC- Era neutro. Cada um ficava no seu lado e se respeitava. Ali durante o dia ficava mais o pessoal de cinema mesmo. Depois, no final de tarde, a gente cruzava com eles. Eram dois grupos bastante diferentes que ficavam num mesmo espaço geográfico.

Z- Cláudio, o que significou a Boca pra você?

CC- Foi onde eu dei os meus primeiros passos. Ainda quero fazer um filme chamado Boca do Lixo. Esse é o meu grande projeto cinematográfico. Falando sobre os personagens que a gente conhecia, aquele mundo. Tinha coisas antológicas.

Z- Pessoas como o Jean, o Tony e o Ody morreram muito cedo. Você considera eles injustiçados?

CC- Acho que de repente eles não souberam se preparar. Muita gente achou que aquilo iria durar para sempre. Mas são pessoas geniais, eram realizadores, pessoas que sonhavam em fazer cinema. Tudo isso eu acho muito nobre, muito romântico. O pessoal da época realmente sonhava em fazer algo bem acabado.

Z- Você ia bastante no Soberano?

CC- Eu freqüentava bastante. O Soberano era o lugar comum de encontro de todo mundo. Lá era o recreio, era o local onde todo mundo se encontrava e contava suas histórias.

Z- Na Boca tinha muitas divisões?


CC- Lógico. Tinha o pessoal mais bem sucedido, outros menos. Embora mesmo com as divisões, todo mundo se conversava. Mas tinha gente que tinha mais nome e outros menos. Se eu estou com o meu filme há sete meses no Marabá e chego na Boca todo mundo falava: “Aí Claudião sétima semana, logo chega a oitava”. É igual ao Big Brother (risos). Quem está com o filme com mais tempo em cartaz tem maior moral.

Z- Qual era a importância do Marabá pra vocês?


CC- O Marabá era o grande cinema de São Paulo. Era o cinema lançador. Ficava na Ipiranga, tinha uma grande fachada. Naquela época, não tinha Kassab e podíamos fazer a fachada do tamanho que a gente queria (risos). Eu fiz grandes fachadas no Marabá. Snuff, Vítimas do Prazer eu fiz uma grande fachada com desenho do Miécio Caffé e botei em letras garrafais: “O filme em que as atrizes foram estupradas e assassinadas de verdade”. O cara que passava ali já queria entrar.

Z- Vocês sabiam que o público era masculino mesmo?

CC- Claro. Você não fazia filme pra mulher e sim pra macho. Você podia tentar algumas coisas experiências, mas você sabia que tinha que seguir essa linha. Inclusive por isso a gente colocava alguns galãs bem feios (risos).

Z- A primeira sessão de segunda-feira era a mais importante?

CC- Era ali que marcava. Se o filme fosse aceito no lançamento do Marabá, o filme seria bem recebido em todo Brasil.

Z- O que você acha dessas salas esse tornarem multiplex?


CC- Melhor. Hoje, não tem mais espaço pra salas daquele tamanho. Não existem mais público pra lotar uma sala dessas hoje.

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