html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
Dossiê Cláudio Cunha

Entrevista com Cláudio Cunha

Parte 4 - O teatro e o futuro

Por Matheus Trunk

Z- Como surgiu a idéia de fazer O Analista de Bagé no teatro?

CC- Isso surgiu em Brasília. Eu estava lá em alguma reunião do Conselho Superior de Cinema e encontrei com o Paulo César Pereio. Começamos a conversar, tomar cerveja num bar. E ele me falou: “Faz teatro cara, cinema está caindo”. Ele me falou do livro O Analista de Bagé do Luiz Fernando Veríssimo, que estava fazendo um grande sucesso. Eu achei legal e produzi a peça pela primeira vez com o Pereio como o analista. Ele chamou a mulher dele, a Cissa Guimarães pra fazer também. Eu coloquei a Simone Carvalho em um papel. A peça era baseada nas melhores crônicas e tinha um grande elenco com Eduardo Tornaghi, Nelson Dantas. O Pereio não teve nem o cuidado de fazer uma adaptação. Ele chamou o Armando Costa e este fez uma seleção das melhores crônicas do personagem adaptadas pro teatro. O espetáculo era uma colcha de retalhos. A peça tinha dois atos, mas a maioria do público saia após o fim do primeiro ato. As pessoas acabavam odiando porque o Pereio entrava pouco na peça. Ele me falou: “Não preciso entrar muito não”. Eu tive problemas incríveis com o Pereio, mas eu era somente produtor. O espetáculo era dele e a gente teve alguns problemas. A gente acabou se desafiando pra um duelo. Depois, ele terminou me escrevendo bilhetinho de amor (risos). O Pereio é louco mesmo, doido. Mas realmente o nosso sangue não se deu bem. Falei pra ele: “Cara, vou te dar a peça e você vai viajar com ela”. Ele pegou o pessoal e ficou um ano viajando com a peça no Sul. Eu já pensava em chamar outro ator pra fazer o personagem. Por isso, peguei vários atores para fazer o personagem, mas nenhum me convencia. Chamei o Cláudio Cavalcanti, o Ivan Mesquita, vários. Um apresentador de televisão de Fortaleza me falou: “Vejo você lendo o texto todo dia com os atores. Você sabe bem o personagem, faz você mesmo”. Nessa altura, eu já tinha feito uma adaptação minha pra peça. Chamei o Zé Rodrix e o Miguel Paiva pra fazer as músicas da peça e joguei fora a parte do Armando Costa.

Z- No teatro você é ator, porque no cinema você fez poucos papéis.

CC- Verdade. Muitos dos meus papéis no cinema eu não gosto. No Karina, por exemplo. Eu sempre fui muito crítico comigo mesmo. Hoje, eu sei que eu sou um bom ator. Eu aprendi com a prática. Como o cinema que eu aprendi fazendo. Apesar de ter feito curso de cinema a minha escola nas artes foi o dia-a-dia. Não tem teatro no Brasil que eu não tenha entrado.

Z- Você esperava o sucesso com O Analista que você teve?

CC- Não, a gente nunca espera.

Z- No Brasil, o cinema é dependente do Estado. O que você acha disso?

CC- Olha, eu sou o chamado produtor independente. Os mecanismos de produção cinematográfica hoje são muito difíceis. Na minha época, a gente tinha o prêmio adicional de renda. Se você atingisse um número de espectadores, você era premiado. Acho que era mais democrático. Hoje, os meios de comunicação só divulgam quem está nas novelas. Isso acaba prejudicando produtores independentes como eu.

Z- O que você achou do Tropa de Elite?


CC- Muito bom. Eu acho que o pessoal está achando um caminho legal. O cinema brasileiro precisa de filmes comerciais de boa qualidade. Nós precisamos entender que um filme é um produto como outro qualquer. O que vai fazer dele uma obra de arte é a marca pessoal do realizador. Mas isso é outro assunto.

Z- Você se considera autor do seus filmes?


CC- Sim, eu me considero. Os meus filmes são bem meus. É a minha cara. Pode não ser o Cláudio Cunha de hoje, mas de outra época. Oh! Rebuceteio é o Cláudio Cunha de uma época, O Gosto do Pecado é o Cláudio Cunha de outra época. Hoje, eu vejo os meus filmes como se não fossem meus, totalmente desvinculados da pessoa que eu sou hoje.

Z- Hoje, os seus filmes foram exibidos no Canal Brasil e você tem um reconhecimento do seu trabalho. Como você encara isso?

CC- Acho que a obra da gente está aqui para ser vista. A gente tem que divulgar, apresentar. Eu quero lançar meus filmes em DVD e tenho o maior interesse nas pessoas verem. A obra de arte passa por essas etapas: intuição, execução e apresentação. Quanto mais você apresentar a obra pra mais pessoas, maior será a extensão da obra. Esse é o meu legado. É uma vantagem do cinema. Não adiante eu ter feito dois milhões de pessoas rirem no teatro se isso não está documentado. Já o cinema está documentado, os filmes podem ser vistos mesmo muito tempo depois de terem sido feitos.

Z- Você tem projetos novos de direção?


CC- Vários. Estou adaptando um romance naturalista pra cinema, O Bom Crioulo. Eu tenho uma comédia baseada na minha vivência de 27 anos de teatro, O Gaúcho Erótico. A minha intenção é voltar ao cinema.

Z- Qual é o teu grande sonho artístico no momento?

CC- Meu sonho agora seria dirigir um filme, voltar ao cinema. Um filme que eu poderia fazer uma história que eu gostasse. Provavelmente O Gaúcho Erótico, uma comédia. Nesse trabalho, eu faria uma coisa que eu nunca fiz: eu seria um dos personagens principais. Ou seja, eu seria o diretor e o ator do filme ao mesmo tempo.

Z- Muita gente do meio artístico estão lançando biografias pela Coleção Aplauso ou por outras editoras. Você tem intenção de lançar a sua?

CC- Eu acho que biografia é legal depois que o personagem morre. Não quero que lancem a minha biografia com eu vivo. Vou deixar isso pros meus filhos. Enquanto eu estou vivo não tem graça nenhuma. O Polanski lançou a dele vivo. Mas ele é o Polanski.

Z- Pra gente encerrar, o que fica de você pro futuro?

CC- Eu acho que nada. Os filmes podem ficar, o meu trabalho. Os cineastas, os autores deixam um legado. Já o ator não deixa nada. Você vê colegas maravilhosos e ninguém fala mais deles: Rogério Cardoso, Raul Cortez, Paulo Autran. Não adianta a gente ter ilusão porque a gente não é nada. Você só deixa os seus filmes. E mesmo assim corre o risco dos filmes não serem mais exibidos e ficarem esquecidos. A Cinemateca do MAM perdeu o primeiro rolo de imagem de A Dama da Zona, um clássico da Boca do Lixo. Eles tiveram a coragem e a capacidade de perder um rolo. Embolorar eu até entendo. Mas perder eu já acho desleixo. Perderem dois rolos de imagem da A Força dos Sentidos...

Z- Esse filme você ainda espera rever algum dia?


CC- Eu acho que já era. É triste porque até o cinema é efêmero.

<< Parte 3



<< Capa