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Dossiê André Klotzel

Jaguardate
Direção: André Klotzel
Brasil, 1994.

Por Adilson Marcelino

a vanguarda em Carrol, Augusto, Klotzel e Zezé

Tenho verdadeira paixão pela atriz e comediante Zezé Macedo. Não á toa ela dá nome a uma sala do meu site Mulheres do Cinema Brasileiro e já foi saudada por mim aqui na Zingu! na coluna Musas Eternas, para a qual eu dediquei o artigo A mais bela face do cinema nacional.

Imagino que muitos leitores devem ter achado que estava louco, afinal Zezé Macedo sempre foi, para muitos, sinônimo de feiúra. Mas como disse lá, e volto a dizer aqui, para mim ela sempre foi a mais deslumbrante e bela cara do Brasil porque sinônimo da alma brasileira, com uma persona que abriga um misto de ingenuidade, malícia, simplicidade, gaiatice e falsa submissão.

Zezé Macedo sempre foi amada pelo povo brasileiro, seja nas chanchadas ou nos programas humorísticos. E sempre foi amada também por cineastas de diferentes quilates e linhagens – passou por inúmeras fases do cinema brasileiro: chanchadas, Cinema Novo, Cinema Marginal, Cinema Popular, Pornochanchadas, Embrafilme, Cinema dos Anos 80.

Atento à carreira desse verdadeiro patrimônio do cinema brasileiro, estava acostumado a ver seu intenso brilho em inúmeras produções e sempre me surpreendendo com sua capacidade criativa. Mas confesso que tive um susto imenso quando assisti a um pequeno curta em 16mm, Jaguadarte, dirigido por André Klotzel, em 1994.

André Klotzel já estava com espaço definitivamente demarcado no meu coração cinéfilo por causa dos longas A Marvada Carne e Capitalismo Selvagem. Mas quando assisti Jaguadarte, pirei completamente.

O que era aquela Zezé Macedo vindo até chegar perto de nossos olhos e recitando aqueles versos esquisitíssimos e sedutores? O que era a força daquela imagem impactante e de pura vanguarda? O que era aquela atriz, tantas vezes reduzida por alguns babacas de plantão que a tachavam apenas de um tipo só, com tamanha carga de modernidade ao declamar aqueles versos como ninguém? E o cenário? Era um galpão, era um matadouro? Já não me lembro mais. Mas me lembro que era acachapante para os olhos e sentidos.

Assisti ao filme no cinema Usina, onde trabalhava em Belo Horizonte, e naqueles mesmos anos 90. Ignorante do que estava vendo, só depois de ver é que fui saber que era a tradução que o concretista Augusto de Campos fez para o poema de Lewis Carrol. Aquele que Alice lê no livro da Rainha Branca em Alice Através dos Espelhos, e que é todo formado por palavras inventadas pelo escritor, em que mais que o sentido, o que importa é o som das palavras.

Klotzel, talentoso sempre, foi perfeito ao escalar Zezé Macedo para dar voz aos versos desconcertantes de Carrol. Afinal, se o som era mais importante que o significado, duvido que alguém emitiria sons mais belos que os proferidos pela boca de Zezé, essa deusa sagrada da arte brasileira.

Jaguadarte

era briluz.
as lesmolisas touvas roldavam e reviam nos gramilvos.
estavam mimsicais as pintalouvas,
e os momirratos davam grilvos.

“foge do jaguadarte, o que não morre!
garra que agarra, bocarra que urra!
foge da ave fefel, meu filho, e corre
do frumioso babassura!”

ele arrancou sua espada vorpal
e foi atras do inimigo do homundo.
na árvore tamtam ele afinal
parou, um dia, sonilundo.

e enquanto estava em sussustada sesta,
chegou o jaguadarte, olho de fogo,
sorrelfiflando atraves da floresta,
e borbulia um riso louco!

um dois! um, dois! sua espada mavorta
vai-vem, vem-vai, para tras, para diante!
cabeça fere, corta e, fera morta,
ei-lo que volta galunfante.

“pois entao tu mataste o jaguadarte!
vem aos meus braços, homenino meu!
oh dia fremular! bravooh! bravarte!”
ele se ria jubileu.

era briluz.
as lesmolisas touvas roldavam e relviam nos gramilvos.
estavam mimsicais as pintalouvas,
e os momirratos davam grilvos.



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