Dossiê José Mojica Marins
Entrevista com José Mojica Marins
Parte 2: Encarnação do Demônio
Por Gabriel Carneiro, Raphael Carneiro e Stefanie Gaspar
Fotos: Gabriel Carneiro
Zingu! – Como foi sua batalha para lançar Encarnação do Demônio?
Z - Do roteiro de Encarnação do Demônio, o que é seu e o que é do Dennison Ramalho? No catálogo do Eugênio Puppo sobre os 50 anos de Carreira, você fala que o Dennison queria que o Zé do Caixão tivesse superpoderes, que voasse, uma coisa mais de história em quadrinhos...
JMM - Não não, eu cortei isso tudo. Falei que o Zé ia continuar sendo um homem inteligente, tem uma força muito grande nos olhos – que olha para a mulher, mas precisa continuar sendo um homem normal, porém persistente. O poder dele é a persistência – ele está atrás da mulher e vai conseguir, tem que ter mulher. Na primeira, a fulana se suicida. Na segunda, morre a mãe e a criança. E nesse filme ele está com 72 anos, e vem mais forte, porque daí ele já pensa: uma só não dá! Ele procura todas as mulheres bonitas e inteligentes, e engravida sete. Aí, quando dá a impressão de que ele morreu, ele enterrado, cai um raio, você vê as sete que estão grávidas olhando o túmulo dele. Se eu não tiver saúde para fazer a quarta, pode ser o filho de Zé do Caixão, porque ele não tem mais jeito de fazer, porque é como Chaplin, é como Chacrinha, pessoas que não tem jeito de substituir. Então só filhos, netos do Zé do Caixão... De repente, o Dennison queria uma coisa mais história em quadrinhos mesmo, começou a fazer um policial de cavalaria, pô, e só tinha uma mulher, que é isso... porra, você vai deixar um homem boiola depois de 72 anos? Eu até acho que ficou faltando mulher no filme... o Zé testa várias mulheres, mata, só sete sobrevivem, as policiais passam por muito sofrimento, porque bateram no Bruno. Lenny Dark enfrenta três mil baratas, a outra tem um rato enfiado pelas entranhas, eu acho que a coisa foi legal e o Dennison me ajudou em idéias doidas. Ele é um cara legal, bom demais, só que ele tem uma coisa: ele procura uma idéia, mas não procura a lógica da idéia. Pode ser bom, mas peraí, porque você vai fazer isso? Porra!, vamos estourar uma mulher: voa pedaço pra lá, pedaço pra cá, mas qual é a razão de estourar a mulher? Daí ele responde: não, mas é cinema Mojica, estoura mesmo, põe mais. Mas tem que explicar, o povo quer explicação. Agora ele vai para o terceiro curta dele, ele teve uma lição de vida e de cinema nessa fita, aprendeu muito, e até o final do ano, começo do ano que vem, ele faz o longa dele e já vai estar com os pés no chão. Mas ele é um discípulo fiel, legal, tem sonhos doentios e doidos, mas é preciso buscar uma lógica pra isso tudo, caso contrário não há razão de ser.
Z - Você teve carta branca em Encarnação do Demônio?
JMM - Quando eu aceitei fazer o Zé, tive em troca carta branca pra fazer o que eu quisesse. Eu falei que não queria computador, nem grua, nem nada. Só tem uma ceninha de grua no fim da fita. Falei que não queria grua, somente efeitos artesanais. Eu li agora uma matéria que dizia que eu trabalhei com artes gráficas no computador, pô, eu acho que aí o mérito é meu, porque o artesanal ficou tão perfeito que as pessoas pensam que eu usei computador.
Z - Como foi feita a cena da chuva de sangue?
JMM - Porra, essa foi do caceta. Foram quase 4 mil litros de sangue, e aí trouxeram caras especiais pra colocar as mangueirinhas e fomos alagando, e pela primeira vez eu deixei a cena pro fim da fita, porque eu sabia que eu ia terminar e pegar uma gripe forte, e não deu outra. A minha capa já pesa uns 10 quilos, quando entrou na água, passou pra 35, 40 quilos. A cena foi muito sufocante, tanto pra mim quanto pra menina. Mas acho que valeu a pena, aquele lago de sangue, e daí ele sai direto no purgatório.
Z - A matéria da SET de agosto fala que a cena do porco iria ser mais forte, mas parece que os produtores não quiseram.
JMM - A menina chorou. Diz ela que foi de emoção, mas a equipe entendeu que foi de medo. A equipe ficou meio contrariada, e daí eu não pude fazer com muitos detalhes, mas assim mesmo a cena está impressionante. Cortei detalhes que eu queria fazer, quando ele corta, aquela faca passando quando ela está deitada nua, e a faca passando por ela por dentro do porco... eu ia fazer muita coisa, ia ficar muito mais forte. Mas teve esse problema da equipe, não a levo a mal, porque ninguém estava acostumado a ver isso, eles achavam que era lenda, que eu não fazia pra valer. Começaram a ver ratos pra valer, aranhas pra valer, baratas pra valer, se apavoraram. Mas hoje dá pra chamar de novo, depois do prêmio que ganhamos em Paulínia e porque ninguém morreu. Bom, morreu o Jece, mas ele já estava doente, e eu prometi que se ele morresse – nós já estávamos esperando - eu não o cortaria da fita. Ficou muito legal, não me complicou a fita.
Z - Nos dois primeiros filmes da trilogia, há a questão de zombar da dualidade entre o sagrado e o profano. Porque isso é menos explorado no novo filme?
JMM - Nossa, mas será que eu não sou profano nessa fita? Eu sou! É que a violência aqui é muito grande, e a gente tinha que mexer com a polícia mesmo. Tem cenas que foram cortadas todas, exatamente porque quisemos que o ritmo ficasse legal, que a fita ficasse redonda, sem barriga. Tirei cenas de netos, filhos, de gente boa, até minhas mesmo pra deixar o filme no ritmo. Tinha cenas profanas, mas eu achei que era melhor ficar mesmo só a mensagem da proteção dele em relação às crianças, que estão se viciando em drogas, e o problema da polícia que ainda é um problema.
Z - Como estão suas expectativas em relação à Veneza?
JMM - Muito grande. Eu estou correndo atrás do meu passaporte, que estava meio ruim, e está duro de ver meus documentos. Mas até a semana que vem vamos dar um jeito e em Veneza vai ser o grande momento, uma cidade romântica, passar Encarnação? Porra, nossa fita vai pra uma cidade romântica, puta que o pariu, pode fazer sucesso.
Z - Tem algum filme de que você se arrepende de ter feito?
JMM - Não, nenhum.
Z - Nem as pornochanchadas, ou Meu Destino em Tuas Mãos?
JMM - Não, nenhum. Os filmes pornográficos foram feitos porque o cara [Mário Lima, parceiro de Mojica de longa data] disse que ia fazer o Encarnação se estourasse. Estourou, aí ele quis fazer outro, mais intelectual, e se fodeu. O que ganhou em uma, perdeu na outra. O cara é meu amigo, tá aí hoje... São 50 anos de amizade.
JMM - Nossa, mas será que eu não sou profano nessa fita? Eu sou! É que a violência aqui é muito grande, e a gente tinha que mexer com a polícia mesmo. Tem cenas que foram cortadas todas, exatamente porque quisemos que o ritmo ficasse legal, que a fita ficasse redonda, sem barriga. Tirei cenas de netos, filhos, de gente boa, até minhas mesmo pra deixar o filme no ritmo. Tinha cenas profanas, mas eu achei que era melhor ficar mesmo só a mensagem da proteção dele em relação às crianças, que estão se viciando em drogas, e o problema da polícia que ainda é um problema.
Z - Como estão suas expectativas em relação à Veneza?
JMM - Muito grande. Eu estou correndo atrás do meu passaporte, que estava meio ruim, e está duro de ver meus documentos. Mas até a semana que vem vamos dar um jeito e em Veneza vai ser o grande momento, uma cidade romântica, passar Encarnação? Porra, nossa fita vai pra uma cidade romântica, puta que o pariu, pode fazer sucesso.
Z - Tem algum filme de que você se arrepende de ter feito?
JMM - Não, nenhum.
Z - Nem as pornochanchadas, ou Meu Destino em Tuas Mãos?
JMM - Não, nenhum. Os filmes pornográficos foram feitos porque o cara [Mário Lima, parceiro de Mojica de longa data] disse que ia fazer o Encarnação se estourasse. Estourou, aí ele quis fazer outro, mais intelectual, e se fodeu. O que ganhou em uma, perdeu na outra. O cara é meu amigo, tá aí hoje... São 50 anos de amizade.