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Dossiê André Klotzel

Entrevista com André Klotzel
Parte 3: Pós-A Marvada Carne, os anos 90


Zingu! – Seu filme posterior é o curta No Tempo da II Guerra.

André Klotzel – É. Foi uma encomenda do Itaú Cultural.

Z – E o Jaguadarte?

AK – Jaguadarte não é propriamente um filme. É um filme que é um filme-evento, quase. Não tem nem letreiros. Foi um trabalho para a exposição Arte Cidade. Me convidaram, no primeiro evento, para fazer uma instalação cinematográfica. Eram três pessoas de cinema. Era o Jorge Furtado, o Arthur Omar – que transitava entre a fotografia e o cinema – e eu. Resolvi pegar uma coisa meio conceitual, meio concreta, que era Jaguadarte, numa tradução do Haroldo de Campos para o Lewis Carroll. Usa um aglomerado de palavras. Coloquei a Zezé Macedo declamando isso dentro de um galpão, sem entender o que ela estava falando. O filme é isso. Cinco minutos de ela declamando poesia. É bem engraçado, e muita gente curtiu.

Z – Como surgiu o Capitalismo Selvagem?

AK – Capitalismo Selvagem surgiu depois de várias tentativas de fazer um roteiro, baseado numa idéia de fazer um filme que, de alguma maneira, brincasse com a linguagem melodramática da telenovela. Queria fazer uma coisa que fosse um exagero da novela, o exagero do folhetim. Demorou. Tentava e nada. Até que a Fernandinha [Torres] teve a idéia de um índio que perdia a memória e não sabia que era índio. A partir daí criei a história, usando todos os clichês de novela para construí-lo. Engraçado que, quando foi lançado, as pessoas acharam que era um filme sério, político, mas era uma gozação política. As pessoas realmente acharam que eu estava tentando falar do problema do índio, mas não estava coisa nenhuma. Estava brincando com a telenovela. Não entendia como as pessoas viam aquilo como uma coisa realmente política. Fico besta com isso, até hoje. Hoje, me falam: ‘eu revi o filme’ – os poucos que reviram – ‘e agora que entendi’. Foi um filme demorado. Tinha um pouco de dinheiro da França e da Alemanha, e alguma coisa da Embrafilme. Em 1989, tinha, praticamente, dinheiro para filmar. Collor entrou antes de eu filmar, e interditou o dinheiro. Fiquei com o da França e da Alemanha, e o sem do Brasil. Não podia nem abandonar o filme, porque já tinha recursos, e não tinha como rodá-lo. Fiquei dois anos, 1990 e 1991 inteiros, esperando conseguir algum financiamento. Consegui no final de 91, início de 92, pela Lei Mendonça – foi o primeiro edital dessa lei -, e filmei. Foi o único filme rodado em 92. Outro filme que é registrado numa produção de 92 – Capitalismo foi finalizado em 1993 - é um filme do Khouri que já havia sido filmado antes, Forever, mas que não havia sido montado. Foi muito duro, porque eu fiquei de 89 a 92 com os recursos, projeto pronto, mas sem conseguir filmar. O projeto datava de 87, 88. Demorei a captar - só em 89 - e perdi o dinheiro.


Z – Como era filmar nessa época pós-Collor?

AK – Muito complicado. Não existia mais nada. Não tinha mais equipe técnica, estava todo mundo afastado, não havia equipamento, laboratório, distribuição. Não existia nenhuma estrutura, não tinha dinheiro. O cinema brasileiro fora desmontado. Não se conseguia trabalhar como antes; antes havia uma estrutura.

Z – Capitalismo Selvagem fez bom público?

AK – Olha, para hoje em dia, até que não foi mal, fez 80 mil espectadores. Na época, era muito pouco. Parte do público foi com a Lei Mendonça, porque compramos ingressos para dar a escolas para verem o filme. Depois até virou comum, mas foi uma criação minha – dar os ingressos para escolas. Até virou exemplo de como utilizar os recursos da lei.

Z – Depois veio o Brevíssima História das Gentes de Santos.

AK – Esse também foi encomenda, do prefeito de Santos, David Capistrano, que me conhecia indiretamente, porque ele havia sido assistente do meu pai, que era médico. Santos ia comemorar 450 anos e ele resolveu fazer um filme sobre a cidade e me chamou. Fui lá, falar com o prefeito, perguntar o que eles queriam exatamente. Ele falou que não sabia, que queria um filme de Santos. ‘Você não é artista? Então decide’, ele falou. Ótimo, se eu que decido, vou fazer o que quero mesmo. Conheci o [José Roberto] Torero, que era de Santos, e ele foi logo escrever o roteiro. Concebemos juntos, mas ele escreveu. Levei o Torero para falar com o Capistrano, apresentamos o roteiro, ele achou ótimo. Fizemos um orçamento de quanto ia custar, e foi feito o filme. Ele só viu depois de pronto. Foi uma encomenda, em que me deram liberdade total, numa determinada faixa de assunto, o que é raro existir. Por isso ficou bacana.

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